quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Notas melancólicas - parte 10


Mergulho meu olhar em direção às estrelas lá no alto, milhares delas ali, todas visíveis a olho nu e penso, triste, em todos os outros milhares de corpos celestes que não posso ver. De súbito, tomo conta de minha mesquinhez estelar.

Não satisfeito, mergulho meu olhar em direção à areia da praia onde me encontro e vejo milhares de partículas de rocha em desagregação e reflito sobre as outras infinitas pequenas partes de pó que meus olhos não conseguem distinguir. Inesperadamente, tomo conta de minha insignificância granular.

Ainda não saciado, mergulho o olhar em direção à minha própria angústia e vejo uma dor persistente e profunda, desesperadamente incurável, e observo a vida declinar rumo à escuridão.De repente, a noite se torna mais escura, as estrelas mais distantes e a areia mais fragmentada: tomo conta de minha solidão.

Notas melancólicas - parte 9


... aí ele pegou, entrou correndo e fechou o portão e passou direto. daí,chegou lá, deixou fechado o portão. ele entrou e me deixou pra fora. eu falei: puta! é foda! eu não acredito!o que você acha que é isso ítalo? ontem o diogo disse que a gente tem uma coisa que ainda são de outras vidas... por isso que a gente tem essa coisa muito forte um com o outro. ah! não sei não sei. não sei... eu sei que eu não quero mais ficar com o diogo, entendeu? até ficaria se ele fosse diferente... eu ficaria se ele fosse diferente. se ele não fosse de ficar com... até ficaria rolando se ele não ficasse com todo mundo... se ele soubesse selecionar com quem ele tá ficando... sei lá... se ele não se passasse demais com esses comprimidos, não ficasse muito louco... mas aí ele fica de mim quando eu me altero um pouquinho, mas ele vive se alterando o dia todo, todos os dias... aí ele me critica, me massacra. mas sei lá, não sei... você acha que tem uma diferença entre fazer amor e sexo?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Diálogo

Memórias são fios que puxamos de caixas vazias.

Inventamos, pois.

Prefiro acreditar nos fios. Sem eles, tudo se perde. Mas acho que você pode ter um pouco de razão no que diz.

Nas caixas?

Nas caixas...

É uma idéia pálida.

Acredito na palidez das coisas. Em contraste com o caos das cores berrantes, obviamente.

Você foge.

Sim, todos os dias de minha vida. Sem qualquer espécie de constrangimento. Não entendo por que enfrentar as coisas, encará-las sem medo constitua algo... Você sabe, digno.

Posso compreender.

Sei que pode. Por isso está aqui, neste corredor. Por isso tem mãos e pés atados.

O fantasma do circo

Era um dado incontornavelmente sólido: tivera, tinha e teria pressa. Por tudo e por nada. Unicamente. Presentemente. Diariamente, pressa.

Pressa em ver. Em ser. Sentir. Nos dias normais: correr, atravessar os sinais e dar encontrões, distribuir os mesmos afagos meteóricos. Nos outros, não em si.

Ter nascido sem eles nem nós nos dedos, sem cárie ou cabelos, sem dias e noites assombrados... Sem sonhos que nos pervertam nem invertam qualquer vírgula ou exclamação. Tempo gasto, irrecuperável. Preciso correr sem pernas e mover-me sem dedos.

Soubesse... Antes mesmo de saber e tudo estaria decidido.

Mas não. Tive pressa. Tive, sem volta.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Das moscas, o Acidum.

Há uma mancha preta lá no topo da parede, bem na quina da fachada do Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar. Rapidamente você pensa que é sujeira. Ao andar um pouco mais, aproximando-se, vê que aquela mancha preta é composta por coisas miúdas. Aproxima-se mais e se tem noção de toda a fachada do museu, noção de que aquele amontoado de linhas pretas é, na verdade, um enxame de moscas, e que dessas moscas pequenas saltam, voando, outras moscas, maiores, e mais outras, e outras, com toda sua repugnância e aquele olhar vazio multifacetado, encarando quem se aproxima, dando a noção maior de que para encontrar a exposição do grupo Acidum basta seguir as moscas.

“Entregue às moscas” teve seu coquetel de abertura no dia 15 de fevereiro. Disseram que os membros do coletivo (conhecido pela autoria do painel no muro do Centro de Humanidades da UFC, na Av. 13 de Maio) procuraram recriar a atmosfera do Centro de Fortaleza, alvo da referência ao título da exposição, com churrasquinho, pipoca, castanhas, amendoins, algodão doce e suco de cajá em garrafa de plástico de dois litros. Tudo de graça, ou melhor, pago pelo dinheiro que custeou o projeto no Edital de Artes da FUNCET. Acho que não foi por aí. O que recriou mesmo o ambiente do Centro foi a massa de pessoas no lado de fora do M.A.C. competindo pra pegar um churrasquinho ou apanhar algumas castanhas carameladas - “vixe, é de graça!?” – gerando lotação e chão sujo, mesmo com toda aquela premissa de que freqüentador de museu é fino e educado.

As moscas seguem pela parede, entrando no museu, como jorros de lama nas paredes branco-asséptico. Dobrando à esquerda, na primeira sala, mais outra mosca, lá no final da sala, iluminada por um spot amarelado.
É. Moscas incomodam, e aquelas são pra incomodar.
Não foi por nada que o grupo Acidum escolheu como símbolo.
São cerca de sete ambientes – contando com a salinha da mosca. As paredes são as telas para os grafites, ilustrações, mesclas de diferentes formas de linguagem visual, suportes das diferentes representações do urbano fortalezense. As personagens do asfalto, loucura, religiosidade, pedaços das ruas: tudo está lá, abordado em uma estética não-usual, um retrato claro das tantas possibilidades que existem por aí: estêncil, stickers, grafite, projeção, xilogravura, pintura, intervenções e fotografia. Acidum inova, desconstrói o cotidiano para montar uma própria identidade com traços berrantes da nossa cidade, convergindo das paredes para corroer o olhar e a cabeça de qualquer um. Não é algo que eu consiga descrever aqui, por escrito, muito menos falando. A magnitude que há ao ver uma parede de mais de três metros pintada com um par de meninos limpadores de pára-brisa é encantadoramente assustadora, por exemplo. Ou o deus encouraçado pendurado por fios amarrados em pregos. Ou o objeto absurdo ilustrado posicionado na sala da loucura... É tudo uma experiência estranha e fantástica. “Entregue às moscas” é digno de se ver, algo que nossa cidade não possuía desde as ações do Grupo Aranha, na década de 80.

E, podem ter certeza, do que se vê em sites especializados no tipo de trabalho deles, não há nada igual ao que está exposto nas salas do M.A.C., ou igual ao que será exposto por esses artistas nas ruas de Fortaleza daqui a algum tempo.

Serviço: Entregue às moscas, a partir de 15 de fevereiro, no Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar. Visitas: de terça a quinta, das 9h às 18h30. De sexta a domingo, das 14h às 20h30. Entrada franca. Outras informações: 85.8733.8824 / 8822

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 8


Trecho de um interessante artigo publicado no jornal O Povo de hoje, 17 de fevereiro, de autoria do psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Cleto Brasileiro Pontes.

Já o suicídio vem da língua latina, ou seja, de uma cultura romana onde a guerra prevaleceu sobre a arte, e conseqüentemente a vida foi um fenômeno banalizado. Suicídio vem de homicídio com poucas modificações. O prefixo sui significa uma ação do próprio sujeito e o verbo caedere que inicialmente significava ‘abater’ ou ‘dar pancada’ para, finalmente, vir a se ‘matar’. Portanto, a palavra suicídio carrega uma simbologia em sua origem bem mais cruenta do que a eutanásia”.

O escritor e filósofo argelino Albert Camus (1913 – 1960) disse certa vez que a o suicídio era a única questão filosófica verdadeiramente importante. No período renascentista europeu, a questão do suicídio voltou a ser explanada de forma mais aberta, já não tão influenciada pela moral cristã que dominou a Idade Média. John Donne (1572 – 1631), poeta inglês obcecado pela idéia de morte, sustentava a tese de que o auto-homicídio, ou seja, o suicídio, não é por natureza um pecado, opondo-se frontalmente aos dogmas da Igreja Católica. A Igreja vê, desde São Tomás de Aquino (1225 – 1274) e a Escolástica da qual foi o principal organizador, o suicídio como um crime contra a religião. Foi a partir desta época que se institucionalizou a proibição aos suicidas de serem sepultados em cemitérios cristãos. Conta-nos a história que os suicidas eram enterrados nas encruzilhadas das estradas, pois se tratavam de pessoas que não tinham conseguido superar alguma encruzilhada da existência ou ainda por que a encruzilhada lembrava uma cruz que supostamente deveria redimir o suicida de seu tão grave pecado.

Subitamente, lembro-me de Hemingway, um dos melhores escritores que já li na vida. Nascido em 21 de junho de 1898 no Estado de Illinois, Estados Unidos, Hemingway, desde os primeiros escritos, mostrava uma virulência textual carregada de amargura e desilusão. Escreveu clássicos que, para mim, foram de importância singular como The Sun Also Rises (O Sol Também Se Levanta) e A Moveable Feast (Paris é uma Festa). Até que um dia, saturado do mundo e de si próprio, resolve, solenemente, arrancar a cabeça com um tiro de fuzil, matando-se no raiar do dia 2 de julho de 1961, aos 62 anos de idade. Hemingway seguira o destino do próprio pai, que também praticara o suicídio 33 anos antes, em 1928. Como eu mesmo já disse aqui na primeira parte dessas “Notas melancólicas”, a depressão é uma doença biológica e freqüentemente relacionada a fatores genéticos. Talvez tenhamos aí um exemplo claro.

- Ora, duvido que Hemingway estivesse ligando para isso tudo de Escolástica ou fatores genéticos, rumino, enquanto imagino, com os meus botões, o que ele degustava solitariamente nos cafés de Paris, onde sempre era visto altas horas da noite, a bebericar e murmurar sozinho sua melancolia herdada.

Eles e elas, eles ou elas?!

Bom, aqui vamos nós.

Primeiro, o que acham do purismo lingüístico? Me refiro ao seguinte: se você escreve “eles” ao se dirigir a homens e mulheres, você tem grandes chances de estar bancando, mesmo sem saber, um tremendo escrotinho.

Explico: as mulheres, ainda em 2008, são oprimidas por nós, homens. E isso não tem nada a ver com cultura ou educação. Quero dizer, tem, sim. O que não pode é uma coisa ser atribuída à falta da outra, entenderam? Posso me considerar uma pessoa educada e instruída. Nos ônibus, mal vejo uma cabeça habitada por fiapos esbranquiçados daquilo que um dia pode ter sido uma basta cabeleira, levanto e cedo o meu lugar. Nas filas, permito que as mulheres tenham preferência. Procuro ser gentil com o gênero oposto na maior parte do tempo. Isso é mais um hábito bobo do que qualquer outra coisa.

Em minha casa, por exemplo, nunca lavei cuecas e demais peças do meu próprio vestuário. Existe uma mulher que faz isso — e muito mais — por mim. Acontece que eu sei que estou errado ao fingir que tudo isso é uma coisa, digamos, mais do que natural, um privilégio que nos foi concedido minutos depois do Big Bang. E como as mulheres tivessem, por alguma razão (cabeleireiro, novelas, fofocas?), se atrasado ao Conclave Primordial, nós, homens, ficamos com as principais regalias do universo: não menstruar, não parir e não lavar e enxaguar as próprias roupas.

Pois bem. Na língua é a mesma história. Não empregamos os artigos femininos para nos referirmos aos dois gêneros por um bom motivo: as mulheres não podem (ou não podiam) representar qualquer discurso que se pretenda racional e universalizante. Ao menos é a desculpa que encontrei aqui pra que tudo isso tenha um dia começado e, mesmo depois de séculos de acontecimentos importantes (a invenção do bambolê e o tetra campeonato de futebol), chegado até nós, mulheres e homens de um novo século.

A questão, portanto, é: que fazer?

O manual do politicamente correto — e o seu inverso, o manual do correto politicamente — nos dizem, pedem, imploram: usem as duas formas. Assim, uma frase inofensiva como Nossos filhos temem os trabalhos que os professores da escola primária lhes infligem cotidianamente se transformaria no monstrengo Nossos (as) filhos (as) temem os trabalhos que os (as) professores (as) da escola primária lhes infligem cotidianamente.

Tem gente que não vê problema nisso. Afinal, são apenas alguns parênteses a mais no texto. Bom, tentem imaginar o Grande Sertão: veredas, Crime e Castigo ou mesmo um poemeto de Ferreira Gullar. Ou Drummond. Ou, por fim, uma belíssima crônica de Afonso Romano de Sant’anna prenhe dessas coisinhas. Sacaram a parada? Não funcionaria. Melhor continuar a oprimir o sexo oposto.

Ou tentar encontrar uma saída que não seja o estúpido e feio “@”. Sim, o “arroba” vale pras listas de e-mails e mal.

Tropa marcha sobre Berlim

O mais engraçado é que: Herr Capitão Nascimento conquistou Berlim! Mesmo com a mandinga da fita sem legendas em inglês, os manos desbancaram alguns oscarizados e arrebataram o prêmio de melhor filme. Exatamente dez anos depois do primeiro Urso de Ouro do cinema brasileiro (o primeiro foi para Central do Brasil, em 1998).

Palmas para Padilha. Mesmo não gostando tanto do filme (por razões mais estéticas que políticas ou ideológicas), sei de sua importância. O cinema brasileiro precisa mesmo de gente que veja e goste do cinema brasileiro. E nisso não vai qualquer ranço nacionalista, não.

Ainda sobre as coisas fluidas

Bom, o que acho de tudo isso? Absolutamente nada. Quero dizer, não há qualquer coisa aí que me faça ficar de queixo caído ou perder o sono. Se existem pessoas que compram sorrisinhos e acenos falsos e outras que vendem os mesmos produtos, não tem nada de errado com isso, estou certo? Embora essa premissa esteja condenada por sua inconsistência (se há compradores para quaisquer serviços, isso os torna legítimos?), é por aí que eu vou. Agora, não deixa de ser engraçado... E ridículo ao mesmo tempo. E temeroso. Afinal, que merda de vida é essa? Como essa gente consegue viver assim?

Acho que da mesma forma que você ou eu: com bastante cinismo. Ninguém escapa.

$urgir, $orrir, $umir

Da coluna da Mônica Bergamo, na Folha de hoje.

Um determinado picolé faz 65 anos e a Kibon consegue reunir em sua "festa de aniversário", há um mês, em SP, mais celebridades do que a estréia do Cirque du Soleil. Um lançamento de jóias atrai mais "famosos" que a comemoração dos dez anos da Orquestra Sinfônica de SP. Bem-vindo ao maravilhoso mundo do "product placement", ou "colocação de produto". Funciona assim: uma celebridade, bem remunerada com o chamado "cachê de presença", aparece assim, como quem não quer nada, na festa de promoção de um produto. Atrai fotógrafos. E o evento acaba divulgado gratuitamente em sites, revistas, jornais e TVs.

A top model Naomi Campbell, por exemplo, recebeu R$ 100 mil para "fazer presença" no Carnaval de Salvador. A missão de Naomi, contratada pela agência África, era "colocar o produto" (no caso, a folia baiana) na mídia. Já uma cervejaria investiu 170 mil para levar a americana Lucy Liu ao Sambódromo. A prática está tão disseminada que os "famosos" não quiseram aparecer em camarotes do Rio neste ano sem ganhar cachês. "Presença é feita no mundo todo e o uso de celebridades para atrair a atenção é absolutamente moderno e atual. Não é coisa cafona do Brasil. Podem achar isso. Eu vou continuar usando", diz o publicitário Nizan Guanaes, da África. "Qualquer um quer colocar o seu produto nas mãos de pessoas bacanas."Há pessoas bacana$ e outras muito bacana$$$$$$. Carolina Ferraz, por exemplo: é muito bacana. A atriz é bonita, tem prestígio e raramente faz "presença". Seu cachê é um dos mais caros: está no patamar de R$ 35 mil, de acordo com listas de promotores de eventos às quais a coluna teve acesso. Carolina não fala de valores. "Em alguns casos, as presenças estão incluídas no pacote de uma campanha publicitária. Mas, no caso do patrocinador de uma peça minha, por exemplo, existe uma troca de gentilezas. Vou sem cobrar." No topo do ranking estão também nomes como Deborah Secco, Taís Araujo e Flávia Alessandra, com cachês em torno de R$ 30 mil.

Estrelar a novela das oito da TV Globo turbina o preço. Numa lista de presença de 2007, por exemplo, Alinne Moraes aparecia com cachê de R$ 25 mil. Com cinco meses de "Duas Caras", está cotada em R$ 40 mil. "Não seria ético nem elegante falar de valores", diz Antonio Amancio, empresário da atriz. "Posso dizer apenas que ela dificilmente aceita presença." Quando o artista está na novela, "o cachê sobe, e sobe muito. Em média, R$ 10 mil", diz Rogério Naves, empresário de Flávia Alessandra, de "Duas Caras". "Com essa história de dança sensual [da novela], a Flávia recebeu muito convite para fazer presença VIP em eventos de produto erótico. Mas sempre recusou. Ela é super família."

Ike Cruz, empresário de Juliana Paes, diz que, na época em que a atriz estava em "América", "pingava orçamento de leilão de gado. Eu dizia: "A Juliana não vai fazer isso". Me perguntavam: "Ah, mas quanto é?". Não tem quanto, ela não vai fazer, não tem preço. O negócio da Juliana é beleza, moda. Não é presença em leilão".

E quem rouba a cena por causa de um namoro célebre -como, por exemplo, a atriz Ildi Silva, que ganhou notoriedade como "a namorada do Caetano"? "Sim, [o cachê] aumentou por causa da exposição com o namoro. Mas foi meio a meio: na época, eu estava ganhando espaço em "Paraíso Tropical'", afirma Ildi, que cobra de R$ 12 mil a R$ 20 mil. "E eu não gostava de ir num evento para falar disso, sabe? Já aconteceu de jogar o preço lá em cima para não fechar determinada festa." O cachê de Rodrigo Hilbert, namorado de Fernanda Lima, está cotado em R$ 11 mil; o de Cauã Reymond, namorado de Grazi Massafera, em R$ 20 mil.

A atriz Nívea Stelmann, que estava em "Sete Pecados", na Globo, diz que "o ator que disser que não faz presença está mentindo". Seu cachê está cotado em R$ 12 mil. "Às vezes, é até mais. Se você está na novela das oito, na das seis ou fora do ar, o preço muda." Segundo Nívea, as TVs, em alguns casos, usam as presenças como "barganha" na hora de negociar contratos, propondo redução de salário para os artistas com o argumento de que a exposição numa novela valoriza o passe no mercado das festas.

Para o publicitário Nizan Guanaes, a técnica de "product placement" "não é tão explícita, e por isso é mais eficiente", sendo "tão legítima quanto o merchandising". Nívea Stelmann desconfia: "Não é possível que tenha gente que ainda pense que o artista está ali por amor à marca! É uma indústria", diz. A apresentadora Daniella Cicarelli (cachê em torno de R$ 25 mil) discorda. "Eu acho que as pessoas não percebem, sabia? Porque tem artista que vai [a uma festa] ganhando cachê, tem outro que faz de graça. É uma salada de frutas. Mas, recebendo ou não, o evento tem que ter relação com você. Os 65 anos do picolé Chicabon, gente, posso falar? Adorei!"

"Celebrities" menos consagradas penam para conseguir vaguinha remunerada numa festa. "Tirando a Grazi Massafera e a Sabrina Sato, ex-Big Brother só ganha dinheiro no interior do Brasil ou desfilando no Brás [bairro de São Paulo]. É interessante para um Big Brother ser fotografado no desfile da Chanel? É. É interessante para a Chanel ter um BBB no seu desfile? Não, não é", diz o promoter Helinho Calfat.

Quando ainda está nesse patamar, o (quase) famoso não tem frescura. "Tem gente que quer juntar dinheiro, comprar apartamento e vai até a baile de formatura em Mossoró [RN]. A pessoa precisa pagar as contas", diz Alex Lerner, um dos mais experientes agentes do Rio.

Até Dercy Gonçalves labuta no mercado de "product placement". Cobra de R$ 5 mil a R$ 7 mil "se for uma presencinha de 40 minutos", diz seu empresário, Julinho do Carmo. É verdade que Dercy pediu cachê até para aparecer em sua própria festa de cem anos? "Ah, claro! Quando eu soube que haveria um monte de patrocinador, cobramos, sim: R$ 20 mil."

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O olhar do estrangeiro

Tropa de Elite conquistou admiradores e detratores no Festival de Berlim. Pela notícia que saiu no site do jornal O Povo, os críticos de lá viram um filme bem diferente do que pré-estreou nos camelôs daqui. Enquanto a crítica brasileira, em uma discussão mais passional que objetiva, se concentrou em aprovar ou desaprovar os supostos valores do longa, os gringos focaram nos aspectos técnicos da produção e em seu aparente simplismo. Muitos destacaram o caráter de "salvador da pátria" com que o Bope foi revestido, demonstrando a percepção de que a realidade não é exatamente aquela, ao contrário do que o diretor José Padilha assegura.

A única coisa que fica clara é que nem aqui, nem lá fora se sabe o que fazer com o filme. Existe a percepção do seu caráter ficcional, mas e quanto à realidade na qual ele se baseia?

Notas melancólicas - Parte 7


Tenho uma idéia de morte. Bandeira (1886-1968) também a tem.

"A Morte Absoluta"


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Relato histórico, crônica de costumes e retrato humano.


Marjane Satrapi é iraniana, mas vive em Paris agora. Tem mestrado em Comunicação Visual pela Escola de Belas Artes da Universidade Azad de Teerã. É novelista gráfica, autora de histórias infantis e de uma autobiografia em quadrinhos peculiar, que virou filme premiado na edição de 2007 do Festival de Cannes, além de ter sido indicado para Oscar de melhor animação em 2008. A animação, de pouco mais de uma hora e meia, estréia por aqui a partir do dia 22 desse mês.

E é fantástica.

A adaptação para cinema dos quatro volumes da novela gráfica Persepolis é impecável. Impecável. De traço reducionista, com boa parte do tempo de película em preto&branco, o impacto visual da memória de Marjane é hipnotizante. Há certo conflito das legendas contra os cenários muito bem trabalhados e traços vivos que percorrem o filme. Junto da música, das vozes e da narração, tudo se torna um grande conjunto que nos permite se emocionar com a história dessa iraniana que viu a queda do regime do Xá Pahlavi aos nove anos, que viveu a ditadura pós-revolução durante o início da sua adolescência, e que se torna refugiada na Áustria durante a juventude, além, claro, do retorno a um Irã tomado pela crise e repressão dos pasdarans (os “Guardiães da Revolução”).

Persepolis é um conjunto, uma obra de arte de múltiplos sentidos. Pode-se dividir o filme em três partes: o fim infância e pré-adolescência de Marjane, a juventude da moça, e o início da sua vida adulta.

Na primeira, é evidente o relato histórico de uma família de intelectuais sobre a Revolução Islâmica Iraniana – que transformou o Irã Monarquista em uma República Islâmica, liderada pelo Aiatolá Khomeini durante os primeiros anos de instalação do novo regime. Marjane exibe no filme a empolgação das massas para a instalação de um novo Irã, nas promessas de modernização do país e na criação de uma sociedade mais justa. Porém, os anos após a revolução são marcados pela criação de uma sistema teocrático que persegue seus possíveis opositores e não leva melhorias para toda a população. É notável que a infância da autora foi marcada pelas prisões de parentes próximos e pelo convívio com o medo. No meio de todo esse cenário tenebroso, ainda é possível ver o espírito de resistência da protagonista, seja nas brincadeiras com temática de guerra com as outras crianças, ou consumindo os produtos da cultura ocidental, vista como subversora dos valores da Revolução.

Com o aumento das perseguições a quem aparentasse ser opositor ao regime, os pais de Marjane decidem mandá-la para a Europa. Temos aí a segunda parte do filme, um relato mais intimista da autora. Os encantamentos, a nova terra, os novos costumes, as leituras de autores consagrados, as decepções amorosas; tudo isso é relatado pela protagonista e deixa claro, mais adiante, um sentimento de retorno às origens – simbolizado pela avó dela.

Talvez seja essa uma das mais principais figuras do filme: a avó, vista como um símbolo de experiência, sabedoria e costumes. Com o retorno da protagonista para o Irã, sendo essa a terceira parte, fica mais explícito que o filme não centra só nos efeitos da Revolução Islâmica e nas diferenças culturais entre Irã-Ocidente. Entrevistada, Marjane Satrapi disse: “Se as pessoas virem o filme e disserem que essas pessoas são seres humanos como nós, o filme teve sucesso”. Nele vemos algo diferente do estereótipo oriente-médio com o qual somos bombardeados. Vemos pessoas que, mesmo sob forte opressão, se arriscam para festejar um pouco e se reunir, mesmo que isso custe a vida de alguns. É um belo retrato humano, uma história sobre integridade e vontade de viver. E Marjane, de forma completa, conseguiu sucesso.

Notas:
- Houve rumores de que a animação seria propaganda anti-Irã. Assistindo, é possível ver que há relatos bem audaciosos, como a confirmação de que a C.I.A. esteve presente durante a Revolução Islâmica de 1979 e que ajudou a treinar torturadores. Além disso, o pai de Marjane, durante o filme, relata a intervenção britânica no golpe de Estado que levou o Xá ao poder.
- O filme gerou uma grande mobilização de mulheres na Europa para levarem adiante a arte de Marjane Satrapi. Para que estreasse nos E.U.A., mais outra batalha para a popularização aconteceu, em Hollywood, envolvendo algumas atrizes, uma empresa produtora de Steven Spielberg e a filha de um dos chefões da Sony Pictures - que comprou os direitos sobre a produção.
- Sean Penn, Gena Rowlands e Iggy Pop doaram suas vozes para a versão inglesa do filme (originalmente em francês).
- Sobre a atual situação do Irã, pode-se ler aqui, aqui e aqui.

-E o trailer, em áudio original e legendas em inglês, você assiste por aqui mesmo:

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Síndico proíbe babá de usar piscina de condomínio no Rio

Venho reproduzir minha impressão de uma reportagem (aqui, em vídeo) que vi na noite de ontem, no Fantástico. O mote da pauta foi um caso, no Rio de Janeiro, de uma babá que foi levar a criança de quem cuida à piscina, e foi impedida pelo síndico. A menina, de dois anos, não pode usufruir do espaço porque a babá não pode.

Entrevistados disseram: e por que os pais da menina não a levam? E por que o guardião da piscina não fica olhando a criança? Vamos ver: os pais não devem ter tanto tempo disponível para a filha, visto que contrataram uma babá. E o guardião da piscina deve ter mais o que fazer, o trabalho dele é guardar a piscina, não o filho dos outros - segundo opinião do próprio, contada por uma moradora. Esta mesma senhora achava justa a proibição, argumentando que a babá que entrasse na piscina ficaria lá se divertindo enquanto estava em horário de serviço.

Numa assembléia em um condomínio no Rio, a maioria decidiu que só entrariam moradores e convidados. Babá não entra, nem como convidada.

Os vários condôminos entrevistados que estavam a favor das babás eram da mesma opinião: qual é o problema? Se fizerem o exame médico pedido a todos os moradores, por que não?

A seguir, transcrevi algumas das opiniões dos consultados que acham que a proibição é justificada:

- Síndico: "Não tem isso. Babá, empregada doméstica, homossexual, o que for, tem direito. Desde que more no apartamento. Morar quer dizer: 24 horas dentro do apartamento".

- Subsíndica: "Se todas babás entrar (sic) na água, é a piscina das babás. Nada contra... nada contra, mas eu acho que não é por aí".
"E essa babá não é só babá. Ela faz os serviços todos doméstico (sic) e também olha a criança. Por isso que não tem nada a ver ela ficar entrando na piscina. Entendeu?".

- Advogado do condomínio: "Se ela está prestando serviço, está prestando serviço, não vai entrar na piscina".

A reportagem mostra ainda um casal de médicos que, vinte e oito anos atrás, levou a administração de seu condomínio à justiça. O motivo era o mesmo, e o Supremo Tribunal Federal determinou que não era caso de discriminação contra a babá. Para a justiça, vale o estatuto do prédio.
A reportagem encerra com: "seja feita a vontade da maioria".

...

Assim que ouvi a chamada, me perguntei: e que motivo pode existir pra uma babá não poder entrar numa piscina com a criança de quem cuida? Será que ela teve algum comportamento irregular? Não acreditei que o argumento seria a moça não ser moradora.

Enganei-me. É esse o argumento mais razoável que os do contra conseguem expor. O único, talvez, já que não declaram outros. Os outros devem ser inconfessáveis, já que pega mal ser preconceituoso; aliás, nem falemos nessa palavra, preconceito, imagina!

Tenho minhas dúvidas de que os convidados dos moradores precisem apresentar esse exame médico que os moradores são obrigados a fazer. Isso a reportagem não disse. Outro ponto que me perturba é: o discurso das pessoas se dá como se empregadas domésticas não tivessem nem a possibilidade de entrar na piscina. As babás estão em pauta por terem a prerrogativa especial de estarem cuidando dos filhos dos patrões. Mas na visão de alguns, uma babá tomando conta de uma criança na piscina não está trabalhando.

É nítido: não conseguem esconder a implicância mesquinha de quem não suporta ver alguém que não conquistou o mesmo status social usufruir de um benefício pelo qual eles pagam caro. Não consigo ver outra razão.

Se alguém assistir à reportagem (não sei por quanto tempo ela fica disponível), ou mesmo se apenas ler este texto, me diga: você vê alguma outra razão para isso? Por favor, se conseguirem achar algum argumento que justifique tal proibição, exponham seus pontos de vista. Eu ainda acho que é preconceito meu pensar que é coisa dessa gente muito fina, de uma parte da classe média alta, que paga caro pelo condomínio e não acha digno se misturar com os menos favorecidos financeiramente (de quem querem distância por já terem sido mais próximos, suspeito).

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O que há no subterrâneo?


Vi Elefante (2003), de Gus Van Sant. Gostei. Isso resume bem o sentimento. É um filme contido, lento. Como se dissesse: “As coisas realmente aconteceram assim no dia dos assassinatos”. Ele se aplica na construção da rotina de uma escola norte-americana. Refaz com precisão os últimos passos de meninos e meninas. Detém-se nos diálogos, que não têm qualquer coisa de anormal. Eles nos mostram jovens conversando sobre coisas que muitos jovens no mundo inteiro conversam. Isso assusta um bocado. Digo, toda essa calmaria é tensa. O filme é tenso. É falsamente distendido.

Gus Van Sant nos puxa pelas mãos através dos corredores da escola onde estudam os dois meninos assassinos. Todo o processo é delicado, sem picos ou cortes nervosos. Tem pouco mais de uma hora de imagens. Mesmo assim, é demorado. A câmera engata na rabeira do jogador de futebol (acho que ele não gostaria de ouvir isso), o típico galã das escolas estadunidenses, e o segue por três ou quatro minutos — em cinema, isso é uma eternidade. Em seguida, salta pra outro garoto ou garota, atravessa as dependências da escola, entra na cozinha, passeia pelas prateleiras, estaciona na sala do diretor. Todos se cruzam nos corredores, no refeitório, na biblioteca, no estacionamento. O tempo é sanfonado, vai e vem durante o filme. Pegamos carona nos modos de cada um deles, ouvimos as conversas, somos testemunhas do que virá.

O que acho disso tudo? Já disse. É um filme bom. Se dissesse mais estaria sendo exagerado. É curto. Acaba quando achamos que vai esquentar. Mas gosto de como ele enxerga o que aconteceu naquele dia. Não quer explicar nada, dá pistas e só. Acho que nem pistas são, estão ali porque não poderiam estar de fora e pronto. De qualquer forma, é como se fossem a razão de tudo aquilo. Pelo menos, foi a isso que me prendi logo que vi o filme. É a minha explicação pra coisa toda, pra todas as mortes, pra doideira que é ver jovens transtornados por uma cultura beligerante. Não sei se é a de Gus Van Sant. Ele não diz nada.

Elefante só tem um ponto-fraco. É nítido, quando surge dizemos na lata: caramba, essa cena é bem Sessão da Tarde. Não é exatamente uma fraqueza. O problema é mais de forma que de conteúdo. A situação é conhecida de todos. Nela, um garoto é achincalhado pelo restante da turma. Ele é o patinho feio da sala, todos vão à forra com ele. É um bobalhão, agüenta tudo caladinho. Mas não esquece nada.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Cem palavras...

A NOTA DE GOIBEE

O sonho acaba, ele acorda. Ao lado do corpo, um dente muito branco com um furo no meio. Senta-se na cama, olha os pés, os pulsos, toca o próprio cabelo, aspira o hálito aprisionado nas mãos em forma de concha. Tenta enxergar e ouvir mais longe. As pernas eram as mesmas, os braços os mesmos, os olhos, a boca, o saco, as orelhas. Finalmente convencido de que era o mesmo. Até que vê o olho. É visto. Estava ali, atrás do dente. Leva a mão ao rosto, tateia vagarosamente e sente, com repulsa, o fosso que se abrira na madrugada.

In-sólitas

Estou um bocado esquisito. É que ontem fui tocado pela face obscurantista do jornalismo. Ela tem um nome. Chamam-na clareza.

Não sei exatamente se estou convencido disso. De que essa é a grande doença da profissão. Talvez esteja, não sei.

Todos temos de ser claros, evitar ambigüidades, fazer uso de termos que não contenham arestas, passar ao largo de expressões que possam, ainda que suavemente, ferir as minorias, dizer tudo com o máximo de objetividade e de forma a que o maior número de analfabetos funcionais possa ler. É isso mesmo? Parece ser esse o grande norte do jornalismo, é por ele que nos guiamos, é na direção dele que nos ajoelhamos e entoamos as nossas preces, as nossas pragas. É onde fica a nossa Meca. Em nome dela, da desdita, sacrificamos nossos cordeiros e brindamos diariamente. Antes, obviamente, nos benzemos. A tal clareza nos governa, sim, e diz como devemos nos comportar textual e estilisticamente. Diz que roupa de baixo devemos usar e com que mulher ou homem podemos nos amancebar.

Sem querer topei com isso. Suspeito que sim, essas e outras coisas tenham surgido inesperadamente ainda ontem e que, ao vê-las, tomei um baita susto que logo se converteu em surto e disso ao colapso foi um pulo. Pois esse é mesmo o problema. Sou contra a clareza e a favor do insólito. Demônios em cada palavra e não cabritinhos saltitando contentes da sua brancura. Claro-escuro, penumbra, zonas não liberadas, incognoscibilidade. Pago pra ver e ouvir o incogitado e não o seu contrário.

Pois é assim que me sinto tendo que aceitar as regras e cruzar as pernas e cumprimentar com um aceno meio desconcertado as visitas que não foram convidadas, porque nunca as convidaria mesmo, e que resolveram duma hora pra outra aparecer — celestes, neutras e eternas. Fico envergonhado.

Não sei como os caras do new journalism conseguiam ajuntar as duas coisas. Se é que conseguiram mesmo. Elas parecem se estranhar, jornalismo e literatura são duas áreas na verdade alérgicas uma à outra. Ninguém me convence do contrário. Me fazem até pensar na relação que minha mãe tem com a mulher do meu tio. Qualquer tentativa de azeitar as coisas entre ambas é sempre frustrada por um sentimento de imiscibilidade que sempre surge e põe tudo nos seus devidos lugares. Diz “Do pescoço pra baixo é canela”, dá o cartão vermelho e vai embora.

E aí fico sem saber o que pensar. Digo e corro todos os riscos? Melhor correr os riscos por algo que se deseja mesmo, estou certo? Mas posso também ir até o salão de beleza ou agendar uma tarde no studio do shopping mais próximo e cortar os cabelos, unhas e barba, aparar os bigodes e depois borrifar fragrâncias no corpo inteiro e ficar apresentável. Meu dono pode tranqüilamente me levar a passear. Tenho como fazer isso. Mas devo? Posso corrigir as coisas, colocar os pingos nos “is” e tocar a vida como se nada tivesse acontecido. Largo tudo e vou criar galinhas? Me enveneno, me corto, me atiro do último andar de um edifício? Não sei. É difícil fazer escolhas quando não se tem mais cinco anos e tudo é tão claro.

Se você olhar demasiadamente para o fosso, ele devolverá o olhar — Nietzsche disso algo parecido com isso. Acredito que ele soubesse do que estava falando. Se insistimos com as coisas, elas se revelam. Ao menos parcialmente.

Não quero dizer que tenha encarado e me amedrontado com a face oculta do jornalismo. Acho que vi a minha própria. O resto é crise, é besteira. Ótimo final de sábado a todos.

Notas melancólicas - Parte 6


Será mesmo a morte um remédio para todos os males, um porto de inteira segurança? Será a morte melhor que uma vida amarga? Acordei-me no meio da noite com essas singulares dúvidas. Olho no relógio da cabeceira da cama: são quatro horas da madrugada; a pior hora para o insone, configurando-se cedo demais para acordar e tarde demais para se tentar dormir novamente. A insônia é um dos sintomas mais comum aos melancólicos; notívagos são geralmente pessoas deprimidas, pobres coitados condenados a sofrer noites e noites em claro.

Estirado no leito e sem dormir, miro a janela de meu quarto e um pedaço do céu ainda negro recai sobre mim. Escuto um ou outro veiculo passar na rua. Fecho os olhos na forma do velho costume dos que dormem e rumino se teria um motivo qualquer para contentar-me por coisa alguma. Andara particularmente mórbido nos últimos dias; os livros “a ler” jaziam sepultados na prateleira do quarto. Talvez fosse mesmo melhor ficar na cama.

Eu ainda não sabia exatamente que estava com o dia condenado quando o relógio deu cinco horas e os primeiros pássaros se fizeram ouvir. Desconfiava que tivesse um dia ruim pela frente, claro, mas ainda não obtivera toda a certeza disso. O bocado de céu que eu via pela janela já clareara, anunciando que o dia avançava. Nelson Rodrigues estava ao alcance de minha não, ao lado do relógio da cabeceira, mas eu não o conseguia ler por mais de cinco ou seis linhas. Não mais. Fizera os mais hercúleos esforços para prosseguir na leitura do Anjo Pornográfico, levando-o comigo para onde quer que fosse, mas, ainda assim, a coisa não se deu e o abandonei, juntamente com algumas anotações que rascunhara em algumas folhas soltas que agora voam indiscriminadamente pelo chão empoeirado do quarto.

Gastei bastante tempo olhando as folhas voarem de um lugar para o outro; embaixo da cama e junto à porta, folhas por toda parte. Pouco depois das dez horas da manhã, decido levantar-me; dia já claro e trânsito intenso na rua. Abri totalmente a janela e olhei para fora com alguma dificuldade inicial devido à claridade da luz, mas logo a vista pesava sobre o melancólico terreno baldio à frente do prédio. Sinto, de repente, uma enorme vontade de fumar, mas já ultrapassara a cota semanal de cigarros permitidos, de modo que nada mais poderia fazer a não ser deixar o tempo escoar devagarzinho. Um tempo cheio de dor.

Ligo a TV e vejo uns palestinos protestando contra os mais recentes ataques de Israel a uma escola na região da Faixa de Gaza, ou coisa que o valha. Morreram algumas crianças na investida militar, mas amanhã mesmo serão vingadas por algum grupo radical islâmico. Por livre associação de idéias, ocorre-me à mente que foram os autores árabes do século IX os responsáveis por estabelecer a correlação astrológica entre humores e planetas. O humor sangüíneo corresponderia a Júpiter; o colérico a Marte, deus da guerra; o fleumático a Vênus ou à Lua; a melancolia estaria sob signo de Saturno, planeta distante, de lenta evolução. Assim, a associação entre Saturno e melancolia foi inevitável. Até hoje o qualitativo “soturno”, corruptela de Saturno, é sinônimo de melancólico.

Mas nem sempre Saturno foi designado como o deus da melancolia. Na verdade, a versão dos povos árabes foi sendo construída paulatinamente ao longo de séculos de tradições milenares. Na versão grega, temos um Saturno como uma divindade contraditória, que tanto abençoava as colheitas como também devorava a carne humana. Já para os romanos, Saturno era exclusivamente ligado à semeadura. Havia até as Saturnálias, precursores do nosso Carnaval moderno, festas caracterizadas por libertinagens públicas promovidas pelos romanos para agradecer a Saturno pelas colheitas provenientes do ano anterior. Por fim, Saturno seria fundido, dentro do sincretismo greco-romano, em uma entidade responsável pela invenção da cunhagem de moedas; um Saturno mais “funcional”.

Desligo a TV, afinal, tenho coisas mais importantes a fazer, embora não saiba ainda exatamente como elas devem ser feitas ou se devem mesmo ser feitas. “Diabos, árabes e dúvidas demais me deixam ainda mais melancólico”, penso, constatando que meu dia ainda estava longe do fim.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O eterno galã


Há cerca de três semanas a revista Veja publicou uma coluna do Roberto Pompeu Toledo intitulada “Trajetória de um sessenta-e-oitão” na seção “Ensaio”, destinada ao citado jornalista. Eu a li no lugar em que me acostumei a ler a revista Veja, ou seja, em sala de espera de consultório médico. O fato é que, mesmo não acompanhando regularmente a revista nem muito menos as colunas de Toledo, achei o escrito de assaz pertinência e de uma lucidez maravilhosa, tanto que as palavras do colunista não mais me saíram da mente por dois ou três dias.

O texto fala de uma figura emblemática, o famigerado José Dirceu. Na verdade, trata-se mais de uma narração do longo caminho trilhado por Dirceu, das lutas de 68 ao envolvimento com o Mensalão, até o estágio atual na qual Dirceu luta contra o Inexorável: a velhice. Na linha de frente do combate, uma operação de implante de cabelos. Se em 68 o cabeludo e elegante Dirceu lutava contra os carecas conservadores instaurados no regime militar, hoje, vejam que prosaico, o não menos elegante Dirceu luta para não se transformar em um calvo homem de negócios. Ele quer ser, agora, apenas um homem de negócios. Com cabelos.

E mais. Agora como consultor (leitores do mundo globalizado, por favor, explicai a esse pobre rapaz de cor o que diabos vêm a ser propriamente um “consultor”), Dirceu está “in”, almoçando com homens ricos e fazendo negócios com milionários do ramo da indústria e mídia corporativa. E mais ainda. Dirceu, penso que nem em meus sonhos mais psicodélicos e sessentistas eu poderia imaginar tal heresia, é, no presente, leitor de um dos maiores defensores do Capitalismo mundial, o ex-presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos (e, por extensão, o banco central do mundo), Alan Greenspan. Realmente, entramos em uma era de turbulência.

Toledo resume bem a peregrinação do ex-homem forte do Governo Lula. “Eis o sessenta-e-oitão (referência criada pelos franceses para designar as pessoas que viveram com intensidade o ano de 1968), confrontado com a esperança e a realidade destes últimos quarenta anos, a revolução em que um dia pôs tanta fé e a queda do Muro de Berlim, o sol da liberdade que despontou com o fim da ditadura e a mesquinha política do é-dando-que-se-recebe da etapa seguinte, a conquista do poder e o subseqüente encontro marcado com a corrupção, o auge do prestígio e seu esboroamento nos xingamentos de ‘safado’(aqui, Toledo faz uma referência aos insultos dirigidos a Dirceu quando este põe o pé em qualquer rua brasileira) ”.

Obviamente, Dirceu não foi o único sessenta-e-oitão a experimentar o céu e o inferno, mas, sem dúvida, o homem se trata de um dos mais significativos símbolos da derrota dos ideais esquerdistas. O idealismo do jovem Dirceu parece ter sido substituído pelo pragmatismo do homem calculista de terceira idade que passa apressado pelos pátios dos mais diversos aeroportos mundo afora. Sabe como é, essas viagens de negócios são cansativas, há o problema com o fuso horário, a comida que, por vezes, não desce bem, enfim, situações cotidianas do business men.

O “Alain Delon dos pobres”, agora, virou palpiteiro dos ricos, mas o que importa é que o charme, ah meus camaradas, este continua impecável. Com uns milhares de fiozinhos de cabelos a mais, então, Dirceu praticamente retorna às origens galãs. Aos 62 anos de idade, o mensaleiro ganha fortunas dando dicas de aplicação do dinheiro alheio. De repente, a porta do consultório escancara-se e de lá sai uma bonita médica a perguntar angelicamente para a sala. “O senhor Rodolfo Oliveira?” Levantei-me desconfiado de que pudesse estar um pouco mais calvo naquele dia...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 5


Amor e ódio. Dois substantivos historicamente embalados por canções de diversos estilos. O ódio talvez seja apenas um sentimento não-compreendido do próprio amor. O ódio talvez seja o que se herda de um grande amor. Talvez, o poeta canadense Leornad Cohen (1934) já soubesse disso tudo quando lançou o disco Songs of Love and Hate, em 1971. E, senhores, se há um disco que me deixa obscuro, é esse do Cohen.

Considero pela crítica como um dos melhores trabalhos do poeta, Songs of Love and Hate é intenso como um grande amor e ao mesmo tempo triste como a rancor adquirido por um fim de um grande amor. O álbum é foda, meus senhores. Há cerca de um ano, um grande amor me deixou, e o que me salvou muitas vezes da loucura pura e aplicada, em momentos de picos de desespero, foi o disco do Cohen, versado justamente sobre... Amor.

Nas oito canções que compõe o disco, Cohen abrange o amor em múltiplas formas; o amor psicológico, o amor emocional, o amor espiritual, o amor desprezado, tudo embasado por uma dose do mais melancólico veneno, destilado por alguém que conhece realmente a dor provada pela relação amor-ódio. Cohen compõe músicas com visceral conhecimento de causa.

Ademais, o som do álbum é limpo e despojado e, na época de seu lançamento, Cohen já era reconhecido como um dos maiores compositores de seu tempo, atrás apenas do norte-americano Bob Dylan. E Cohen soube construir sua fama de enigmático, o que o tornava ainda mais fascinante para o público que o acompanhava. E acompanha até hoje, pois o bardo canadense, aos 74 anos, continua encantando os fãs em turnês mundiais. A criatividade e a profundidade da música de Cohen mantiveram o público próximo a ele durante mais de quatro décadas a fio, período marcado por altos e baixos, é verdade, mas nunca baixo o suficiente para ser considerado medíocre.

Mas eu gostaria voltar um pouco ao disco citado. Comparando o desempenho vocal do músico com os dos dois discos anteriores (Songs of Leonard Cohen e Songs From a Room, respectivamente de 1967 e 1969), percebe-se claramente uma evolução extraordinária. Acima de qualquer expectativa, Cohen entoa suas melancólicas canções de forma impecável, tornando o disco uma espécie de ponto de equilíbrio na carreira do compositor. Além disso, Cohen atingiu no disco a maturidade como instrumentista e as melodias ao violão alcançaram o ápice de sofisticação, apesar da simplicidade utilizada para a produção do álbum. A voz e o violão de Cohen dominam o disco, guiando-nos às histórias melancólicas escritas pelo poeta.

A intervenção dos demais músicos no disco é feita de maneira inteligente e ponderada, deixando o caminho livre para que ressoe toda a capacidade musical de Cohen. Os arranjos bem trabalhados capturaram Cohen em um dos momentos mais brilhantes do compositor, tornando o Songs of Love and Hate um primor para os amantes da música melancólica. Poucas obras conseguiram chegar tão próximo a essência da melancólica quanto Songs of Love and Hate, disco que recomendo a todos que quiserem chorar inteligentemente um grande amor. Ou um grande ódio. Songs of Love and Hate é digno de uma nota melancolia.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Brasil, o país dos descaídos

Good afternoon a todos. Bom, a arquibancada caiu. Trote ou incompetência? As coisas costumam cair neste país, principalmente arquibancadas. Porque somos mais espectadores que participantes? Porque lotamos estádios e nos preocupamos tão pouco com a infra-estrutura deles? Talvez. A prefeita disse que a multidão estava quieta ou qualquer coisa parecida. Que não se tinha agitado tanto assim. Mas as tábuas sobrepostas foram abaixo, certo? Foi o que todos vimos nos jornais.

O que vou dizer não tem, obviamente, qualquer importância. Menos pelo seu conteúdo do que pelo emissor da mensagem. Digo, são impressões de quem desconhece a ciência que preside a montagem de estruturas para shows e espetáculos aqui e em qualquer parte do globo. Por outro lado, são duas ou três palavras que vêm a propósito de detalhes que, dias antes do carnaval, me incomodaram. Explico.

Pude acompanhar, ao longo da semana que antecedeu as apresentações de maracatus etc. na avenida Domingos Olímpio, a montagem da geringonça que veio abaixo na segunda-feira, 4. Não é que estivesse lá, fiscalizando o trabalho da empresa responsável pela obra. Minha vigilância no que diz respeito ao carnaval de Fortaleza se limitou aos dez minutos de engarrafamento que o Conjunto Ceará-Aldeota enfrentou diariamente até a sexta-feira, 1º. O preparo da estrutura acabou reduzindo o espaço de trânsito na avenida, o que fez com que carros e ônibus se espremessem mais ainda. Bom, a verdade é que, por três ou quatro vezes, fui apanhado pelo mesmo pensamento: essa coisa não parece tão segura quanto deveria ser.

A coisa toda funcionava assim: tábuas e ferragem eram encaixados de forma a que tudo ficasse relativamente estável. As estruturas se ferro se encaixavam umas às outras. Em seguida vinham as tábuas, grandes pedaços de madeira que eram deitados de uma ponta a outra e que deveriam servir de corredores e assentos para todos. Pois aí é que mora — ou morava — o perigo. Aquilo simplesmente chamava a atenção pela fragilidade aparente. Cabeça escorada na janela do ônibus, ficava pensando, “Bom, mas isso deve ser assim em qualquer lugar onde se fazem shows e comícios”. Não imagino que existam muitas alternativas ao ferro e madeira combinados. Naquele caso, o que dava ao projeto uma áurea levemente precária nem era mesmo os materiais usados, mas a amarração de tudo. O arremate, feito com arames, tornava o cenário estranhamente preocupante.

Essa sensação de estranheza me acompanhou por alguns dias até que esqueci tudo. Na mesma sexta-feira, passei na locadora de vídeos do bairro, apanhei cinco filmes e fui embora brincar o carnaval. Quando, na terça-feira, vi as imagens mostrando as mesmas tabuinhas e ferros que tinha me acostumado a colocar sob suspeita quatro ou cinco dias antes, o susto foi imenso. Felizmente, nenhuma vítima fatal. Fiquei surpreso com a fúria do apresentador de um programa policial. Enquanto xingava a prefeitura, as veias do pescoço pareciam bombear sangue suficiente para o Hemoce por três anos.


AS POSSILIBIDADES

Não vou tirar conclusões precipitadas. Quero apenas pensar alto a partir das informações que consegui reunir. Primeiro, parto das opções que os responsáveis pelo carnaval da cidade nos dão: sabotagem ou falha na montagem da estrutura. Se pensarmos bem, ambas são aterrorizantes. Atribuir à oposição política uma ação que poderia facilmente ter se encerrado com alguns mortos e muitos feridos é grave. Se se constatar alguma culpa ou não. No primeiro caso, comprova-se novamente até onde nossos políticos podem descer quando se trata de disputar o controle da máquina pública. No segundo, o quanto viciada está a política. Afinal, responsabilizar setores de diferentes colorações ideológicas antes mesmo que se faça uma perícia no local é algo arriscado, temeroso. Politicamente, pode ser desastroso. Em alguns casos, a suspeita parecia ter se convertido em convicção. Para eles, era tudo muito claro: haviam sido sabotados.

Em caso de culpa da empresa responsável pela construção do aparato que deveria suportar o peso dos foliões, a coisa é mais complicada ainda. É fácil perceber que a prefeitura tentará a todo custo minimizar o seu grau de culpa, delegando a terceiros uma atribuição que é sua: zelar pelo bem-estar da população de Fortaleza. Nesse sentido, as manobras já começaram. Acompanhem com atenção o desenrolar da história na televisão e jornais impressos.

Por fim, algumas perguntas: há quanto tempo não se reciclam os responsáveis por atestar o funcionamento de estruturas do Corpo de Bombeiros? Bom, se pude, de dentro do ônibus, desconfiar daquele engodo de ferro e madeira, por que homens e mulheres que se dedicam exclusivamente a isso permitiram que a arquibancada fosse aprovada? Que empresa fez a montagem da arquibancada, quanto a prefeitura pagou por isso? Que detalhes levaram a prefeitura de Fortaleza a desconfiar e espalhar aos quatro ventos que tudo poderia ter sido obra da oposição política?

Vou ficar esperando por respostas.

Aqui, a nota oficial da Prefeitura de Fortaleza. O laudo pericial deve ser divulgado em vinte dias. As policias civil e federal devem contribuir para a elucidação do caso.

Cem palavras (algum módulo)


O COLECIONADOR

Restos de pensamento, gozo, tédio. Restos de tarde, noite, madrugada. Da manhã inteira guardo pouco, quase nada. Do umbigo, apenas o suficiente para um belo café, um piquenique a sós nos fundos do quintal da última casa da rua numa terça-feira sem luz. Dos lábios, um beijo azedo, repuxado. Do abraço, a pressão leve nas costas, a ponta dos dedos, o olhar estranhamente sereno. Do bêbado, o desprendimento, o cambalear sem dono. Do irmão, fração de conselho. Da mãe, a existência (do pai a mesma coisa). Do miserável, o reflexo.

É o que faço: há décadas coleciono coisas imprestáveis.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Todos-todos?

O contador de visitas deste blog atingiu os quatro dígitos não sei quando. Na primeira vez que o vi, estava na casa das centenas, e o site apenas começava. Me parece estranho já termos aparecido 1066 vezes nos monitores de um número de pessoas talvez quase equivalente ao de visualizações, quando não há uma só postagem com mais de meia dúzia de comentários, geralmente emitidos pela própria equipe do Por que não te calas?!.

Uma das grandes diferenças que, dizem, espaços na Internet como este apresentam em relação aos meios de comunicação de massa tradicionais - rádio, TV, impressos - é a possibilidade de todos falarem para todos, de o emissor ouvir o receptor tanto quanto este o ouve, sem intermediários, sem filtros, sem atrasos. Na maioria dos blogs que visito, não vejo essa característica se manifestar tão fortemente quanto faz crer a teoria da relação todos-todos: todos são emissores e todos são receptores de fato? Ou será que continuamos com a cultura passiva de receber uma mensagem e guardar nossos pensamentos para nós mesmos, ignorando a possibilidade de fazê-los percorrer o caminho de volta, agregando uma nova mensagem à inicial?

Mudar esse estado de coisas é simples, questão de hábito. A quem interessa?

Notas melancólicas - Parte 4


Ao re-ouvi o disco Pink Moon (foto) de Nick Drake nessa manhã de carnaval, pude satisfazer-me um pouco com a minha própria melancolia. Na verdade, coube-me compartilhar meu desconforto com o do bardo britânico, amenizando-o. A voz sussurrada, as melodias intensas e os arranjos acústicos produzidos por Drake atestam a qualidade de artista de grande inteligência e criatividade e são elementos convidativos à contemplação do espírito.

Gravado de modo espontâneo e lançado em 1972, o disco é curto (são 11 faixas distribuídas em pouco mais de 25 minutos; média de dois minutos e meio por canção) e direto (sem grandes dispêndios, Drake utilizou-se apenas da voz e violão,) o que contrasta com os dois álbuns anteriores (Five Leaves Left e Byter Layter, respectivamente de 1969 e 1970) nas quais o compositor empregou uma banda para a gravação de suas músicas em estúdio. O contraste de postura de Drake não poderia ter tido resultado mais genial, embora o disco só fosse ser reconhecido após a morte do cantor. Um talento singular que percorreu uma trajetória, enquanto vivo, despercebida entre seus contemporâneos, Drake seria resgatado e elevado a ícone cult nos anos 90 por artistas como Belle and Sebastian e Elliot Smith.

Pink Moon é, de longe, o mais melancólico dos registros do compositor. Sem banda de apoio ou mesmo outro instrumentista para distrair-lhe a atenção, o compositor se quis sozinho no estúdio e assim o fez: ouve-se apenas a voz baixa do músico e o dedilhado altamente refinado de suas melodias ao violão. Faixa após faixa, Drake destila despretensiosamente no miserável ouvinte uma carga fulminante da mais elegante melancolia possível. Para isso, o compositor constrói um ambiente próprio para o desenvolvimento soturno de suas amarguras, levando-nos a embarcar em um mar de desespero.

As baladas lúgubres ao estilo folk sugerem ao ouvinte que não se levante da cama naquele dia. Quando apreciado em manhã de diversões, folias e folguedos populares, então, o disco se torna praticamente proibido. Mas não o é para este solitário carnavalesco que vos escreve, mensageiro de notas melancólicas, refém da solidão. Da metade para o fim do álbum, o ouvinte, por mais que lá fora faça um belo dia de sol, sente-se desolado. Canções como Which Will, Things Behind the Sun, Parasite, além da faixa que dá título ao disco, Pink Moon, obrigam-nos a caminhar por um vale de desesperança e angústia, ainda que esse andar seja repleto de belas melodias.

Tanta tristeza condensada logo teria seu desfecho trágico. Depois de gravar Pink Moon, a depressão que castigava Drake há alguns anos acentuou-se de maneira desenfreada. Em abril de 1972, o músico sofre um colapso nervoso que o deixaria internado em uma clínica psiquiátrica por várias semanas. Ao fim da internação, Drake, já tímido e introspectivo desde a infância, acentua os sinais de apatia e nunca mais tornaria a gravar coisa alguma. Em conversa com os poucos confidentes, dizia-se vazio, incapaz de sorrir ou chorar, impossibilitado de sentir qualquer sentimento ou expressar qualquer disposição afetiva para produzir música. Meses antes do fim, confidenciou a um amigo que não poderia mais lutar contra si mesmo, que desistira de tentar salvar-se e que nada o poderia proteger agora.

Nos últimos dias de vida, Drake evadiu-se do mundo. Trancafiou-se num quarto de hotel com enormes quantidades de LSD e maconha; drogas de preferência do compositor e das quais ele tomara conhecimento ainda na época em que era estudante de Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge. Escondendo-se dos amigos e dos parentes, evitando aparecer em público e de realizar apresentações ao vivo, Drake entraria na fase terminal da melancolia, de onde só sairia morto.

No dia 26 de novembro de 1974, Nick Drake suicidou-se na casa dos pais, onde teria regressado para uma última tentativa de escapar de si mesmo, com uma overdose de medicamentos antidepressivos. A mãe subira até o quarto de Drake a fim de acordá-lo para o café da manhã e o encontrara morto, atravessado na cama. No prato do som da vitrola do quarto, um disco com um dos concertos de Bach. Drake contava, então, apenas 26 anos de idade. Assim como os jovens poetas românticos do século dezenove que morriam precocemente antes do tempo, o músico sucumbiu à sua própria desesperança e cumpriu seu destino, nos legando obras de valor inestimável para os amantes da música refinada; o disco Pink Moon seria a despedida de Nick. Um maravilhoso adeus.

...

Obs.: Cogito a possibilidade de dar um tempo nas “Notas melancólicas”, pois não agüento mais deparar-me, todos os dias, com e-mails que, supostamente, deveriam chamar-me à vida. De “saia dessa, rapaz” a “não seja covarde para com a vida”, minha paciência dissipa-se em uma enchente de apoios imbecis à “magia da vida”. De acordo com as mensagens que me chegam aos borbotões, o sujeito racional é aquele que ama as “coisas da vida”, embora não seja especificado que coisas são essas, o que me leva a pensar que tais coisas podem ser, enfim, qualquer coisa; de uma unha encravada até um romance de Kafka. Para piorar, tais pessoas julgam que, ó Senhor, o suicídio é um ato covarde, como se a vida de todos esses que me escrevem não fossem elas, de cabo a rabo, uma coletânea de covardias. “Viver é um ato de bravura”, é o que me dizem, mas esquecem-se de dizer o seguinte, que lhes direi agora: levar a vida não se configura em ato de bravura coisa nenhuma. A maioria de nós não dispõe de qualquer inclinação de espírito para as "coisas da vida". Condenamos o suicídio e, como se não nos bastássemos, julgamos viver uma vida plena de bravura. Ora, meus senhores, somos todos um bando de covardes, suicidas ou não. Queremos é uma vida tranqüila para que, uma vez por ano, possamos doar 15 reais para o Criança Esperança e, assim, tocarmos a nossa vida em frente, um pouco mais medíocres. Aos que me escrevem condenado o suicídio ou incentivando-me à vida, digo-lhes: senhores, por Deus, poupem este escriba de tanta chatice. Se procuro evadir-se de mim ou mesmo do mundo, o faço relativamente consciente de suas supostas conseqüências, que, ao fim, só dizem respeito a mim mesmo.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Ah, essa paixão por gatos...




Como se tirado de um conto fantástico, a amizade entre Guimarães Rosa e José J. Veiga surgiu de um fato intrigante. Dois gênios da ficção brasileira, responsáveis pela literatura mais pulsante de nossas letras no século XX.










Triiim. Triiiiim. Triiiiim.

–Alô?

– Dona Clérida?

– Sim, sou eu.

– Desculpe incomodar, eu me chamo Aracy. Meu gato não está bem e eu liguei pro doutor Nilo, mas ele não pode atender, disse que a senhora entendia tanto de gato quanto ele.

– Mas eu não sou veterinária.

– Ele disse que a senhora podia ajudar.

Aracy descreveu os sintomas, Clérida aconselhou por telefone, o gato estava bom em pouco tempo e as duas ficaram amigas. Aracy ligou de volta, muito agradecida, chamando Clérida para ver os gatos. Para o passeio, ela levou o marido. Na sala de estar, entre quitutes e palestras sobre felis catus, Aracy descortinou-se como Aracy Guimarães Rosa.

– É parente do escritor? – perguntou o marido de Clérida.

– Mulher dele!

Tempos depois, Guimarães Rosa (marido de Aracy) e José J. Veiga (marido de Clérida), dois dos maiores escritores brasileiros, pela sutil e refinada ironia do destino, encetaram uma conversa que os conduziria a uma amizade de mais de vinte anos. José J. Veiga só tem esse sonoro Jota no meio do nome porque Rosa, crente das forças da lua, entendido dos seres místicos e de numerologia, fez cálculos e cálculos com o nome completo de Veiga até chegar à conclusão:

– Põe José J. Veiga, vai ser bom pra você.

Os Cavalinhos de Platiplanto, publicado em 1959 e o primeiro livro de Veiga (que estreou na literatura tardiamente com 49 anos), foi um estouro. Até hoje a crítica considera uma de suas obras mais geniais. Lá já podemos ver um embrião do que seriam seus próximos romances: a alegoria, o fantástico, as situações absurdas e insólitas, a linguagem simples de quem fala fizeram de A Hora dos Ruminantes (1966), Sombras de Reis Barbudos (1972) e Aquele mundo de Vasabarros (1982) obras-primas de nossa ficção – embora poucos conheçam sequer que existiu José J. Veiga, um goiano de Corumbá de Goiás, funcionário público e escritor de doze livros imaginativos.

Em 1972, a delegação israelita sofreu um atentado nos Jogos Olímpicos de Munique, meu pai não conhecia minha mãe ainda e eu nem mesmo sonhava em nascer quando os ruminantes já haviam invadido tudo, em Manarairema de A Hora dos Ruminantes, e a Companhia de Melhoramentos espalhava o terror e a opressão na cidade de Lucas, o narrador de Sombras de Reis Barbudos. Não, caro leitor, as efabulações de Veiga não são coisa de criança – como muitos pensam – nem se restringem a uma alegoria sobre a política da época, que evidentemente acabou contaminando a leitura dos livros.

– Mas meu projeto de escrevê-los não era ficar na mera denúncia de um regime de opressão: se fosse, os livros ficariam datados quando o regime se exaurisse, como se exauriu (aliás, durou mais do que eu calculava). O meu projeto era mostrar situações mais profundas do que aquelas impostas por um governinho de uns generaizinhos cujos nomes a nação depressa esquecerá.

No ano de lançamento de Sombras, lamentava-se já o quinto ano da morte de Rosa.

– As pessoas não morrem, ficam encantadas – poetizou a famosíssima frase no discurso de posse da Academia Brasileira de Letras, que ele adiou durante quatro anos até não poder mais. – A gente morre é pra provar que viveu!

Não se sabe se as cartas, os búzios, as estrelas ou se as linhas de sua própria mão lhe falaram dos perigos contidos naquela cadeira que o imortalizaria. Mas exatos três dias depois de ter tomado posse com um discurso emocionado morreu sozinho em seu apartamento em Copacabana. Aracy tinha ido à missa; voltou quando não havia mais tempo de pedir socorro. A indicação ao Prêmio Nobel de 1967, feita por seus tradutores francês, alemães, italianos, foi cancelada por sua morte repentina.

Restava à mulher as histórias do marido, que ele lia em voz alta. José J. Veiga diz que Clérida e Aracy se debulharam em lágrimas com o pezinho estropiado de Miguilim. Talvez Guimarães Rosa tenha sido o Joyce brasileiro pelo trato com a linguagem; fez Riobaldo se apaixonar por Diadorim em Grande Sertão: Veredas (1956) e abalou as estruturas literárias do país. Diplomata nas letras e na profissão, na amizade Rosa gostava mesmo era de provocar, de discutir, contrariar. Um dia engrossava o coro das vozes que defendia Getúlio, outra hora achincalhava o estadista com toda a sorte de críticas.

– Que Getúlio nada! Getúlio é um safado! – ele disse para o amigo quando Veiga, certa vez, tentou rever a opinião que vinha preservando.

E Veiga só pode se lembrar de tudo com um sorriso nos lábios, na última entrevista que deu em vida no final da década de 1990. A velhice trouxe a ele, junto com as lembranças, o gosto de pequenos prazeres, de cachimbo e de fumar em casa com todo um ritual. Continuava com a perspicácia de sempre:

– Eu observo o comportamento da juventude, comparo com o que era no meu tempo... É sempre a mesma coisa passando-se em outra época, com outros ingredientes, mas, no fundo, é sempre o ser humano querendo amansar um pedaço do mundo para nele se instalar e ser o mais feliz possível.

Foram amigos por tanto tempo porque eram parecidos também na arte. Falavam de gente simples, do cantar do sertão, das noites em roda da fogueira, dos diabos e dos ungüentos medicinais, de pessoas que voam porque é o que lhes resta e ninguém poderá lhes tirar o poder de voar, de jagunços magicamente apaixonados num pedaço árido de chão, de meninos do interior e céus estrelados. Ah, Clérida, Aracy e essa paixão por gatos...