terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Brasil, o país dos descaídos

Good afternoon a todos. Bom, a arquibancada caiu. Trote ou incompetência? As coisas costumam cair neste país, principalmente arquibancadas. Porque somos mais espectadores que participantes? Porque lotamos estádios e nos preocupamos tão pouco com a infra-estrutura deles? Talvez. A prefeita disse que a multidão estava quieta ou qualquer coisa parecida. Que não se tinha agitado tanto assim. Mas as tábuas sobrepostas foram abaixo, certo? Foi o que todos vimos nos jornais.

O que vou dizer não tem, obviamente, qualquer importância. Menos pelo seu conteúdo do que pelo emissor da mensagem. Digo, são impressões de quem desconhece a ciência que preside a montagem de estruturas para shows e espetáculos aqui e em qualquer parte do globo. Por outro lado, são duas ou três palavras que vêm a propósito de detalhes que, dias antes do carnaval, me incomodaram. Explico.

Pude acompanhar, ao longo da semana que antecedeu as apresentações de maracatus etc. na avenida Domingos Olímpio, a montagem da geringonça que veio abaixo na segunda-feira, 4. Não é que estivesse lá, fiscalizando o trabalho da empresa responsável pela obra. Minha vigilância no que diz respeito ao carnaval de Fortaleza se limitou aos dez minutos de engarrafamento que o Conjunto Ceará-Aldeota enfrentou diariamente até a sexta-feira, 1º. O preparo da estrutura acabou reduzindo o espaço de trânsito na avenida, o que fez com que carros e ônibus se espremessem mais ainda. Bom, a verdade é que, por três ou quatro vezes, fui apanhado pelo mesmo pensamento: essa coisa não parece tão segura quanto deveria ser.

A coisa toda funcionava assim: tábuas e ferragem eram encaixados de forma a que tudo ficasse relativamente estável. As estruturas se ferro se encaixavam umas às outras. Em seguida vinham as tábuas, grandes pedaços de madeira que eram deitados de uma ponta a outra e que deveriam servir de corredores e assentos para todos. Pois aí é que mora — ou morava — o perigo. Aquilo simplesmente chamava a atenção pela fragilidade aparente. Cabeça escorada na janela do ônibus, ficava pensando, “Bom, mas isso deve ser assim em qualquer lugar onde se fazem shows e comícios”. Não imagino que existam muitas alternativas ao ferro e madeira combinados. Naquele caso, o que dava ao projeto uma áurea levemente precária nem era mesmo os materiais usados, mas a amarração de tudo. O arremate, feito com arames, tornava o cenário estranhamente preocupante.

Essa sensação de estranheza me acompanhou por alguns dias até que esqueci tudo. Na mesma sexta-feira, passei na locadora de vídeos do bairro, apanhei cinco filmes e fui embora brincar o carnaval. Quando, na terça-feira, vi as imagens mostrando as mesmas tabuinhas e ferros que tinha me acostumado a colocar sob suspeita quatro ou cinco dias antes, o susto foi imenso. Felizmente, nenhuma vítima fatal. Fiquei surpreso com a fúria do apresentador de um programa policial. Enquanto xingava a prefeitura, as veias do pescoço pareciam bombear sangue suficiente para o Hemoce por três anos.


AS POSSILIBIDADES

Não vou tirar conclusões precipitadas. Quero apenas pensar alto a partir das informações que consegui reunir. Primeiro, parto das opções que os responsáveis pelo carnaval da cidade nos dão: sabotagem ou falha na montagem da estrutura. Se pensarmos bem, ambas são aterrorizantes. Atribuir à oposição política uma ação que poderia facilmente ter se encerrado com alguns mortos e muitos feridos é grave. Se se constatar alguma culpa ou não. No primeiro caso, comprova-se novamente até onde nossos políticos podem descer quando se trata de disputar o controle da máquina pública. No segundo, o quanto viciada está a política. Afinal, responsabilizar setores de diferentes colorações ideológicas antes mesmo que se faça uma perícia no local é algo arriscado, temeroso. Politicamente, pode ser desastroso. Em alguns casos, a suspeita parecia ter se convertido em convicção. Para eles, era tudo muito claro: haviam sido sabotados.

Em caso de culpa da empresa responsável pela construção do aparato que deveria suportar o peso dos foliões, a coisa é mais complicada ainda. É fácil perceber que a prefeitura tentará a todo custo minimizar o seu grau de culpa, delegando a terceiros uma atribuição que é sua: zelar pelo bem-estar da população de Fortaleza. Nesse sentido, as manobras já começaram. Acompanhem com atenção o desenrolar da história na televisão e jornais impressos.

Por fim, algumas perguntas: há quanto tempo não se reciclam os responsáveis por atestar o funcionamento de estruturas do Corpo de Bombeiros? Bom, se pude, de dentro do ônibus, desconfiar daquele engodo de ferro e madeira, por que homens e mulheres que se dedicam exclusivamente a isso permitiram que a arquibancada fosse aprovada? Que empresa fez a montagem da arquibancada, quanto a prefeitura pagou por isso? Que detalhes levaram a prefeitura de Fortaleza a desconfiar e espalhar aos quatro ventos que tudo poderia ter sido obra da oposição política?

Vou ficar esperando por respostas.

Aqui, a nota oficial da Prefeitura de Fortaleza. O laudo pericial deve ser divulgado em vinte dias. As policias civil e federal devem contribuir para a elucidação do caso.

3 comentários:

VINICIUS.MOTA disse...

Não querendo ser precipitado, e já sendo, pareceu-me esdrúxula essa história de boicote aventada por alguns açodados representantes da prefeitura. É um pouco 'Teoria da Conspiração' demais para o meu gosto e soa como transferência de responsabilidades - algo super comum no Brasil.
Mas nesse caso, como em outros, onde buscam-se culpados, é necessária a averiguação seguida de punição: binômio pouquíssimo aplicado "do lado debaixo do equador".

Débora Medeiros disse...

Acho difícil essa teoria se confirmar, cheira a cortina de fumaça... Provavelmente a empresa contratada é a responsável. E aí cabe uma série de questionamentos: houve licitação? Se sim, em que termos essa empresa venceu a disputa? O orçamento bateu com a proposta da licitação? Se sim, a custa de quê (quem sabe de melhores equipamentos de segurança)? Se não, onde se perdeu o dinheiro previsto para cobrir gastos com uma melhor estrutura, mais segura?

Depois de ler a nota da Prefeitura, prefiro ainda acreditar na boa-fé deles, apesar de se esquivarem por trás de uma teoria conspiratória, já que suspenderam o pagamento à empresa até o resultado da perícia sair. Vamos ver qual é...

Roberta Felix disse...

A prefeita se pronunciou na madrugada de terça sobre o acidente. "De duas uma, ou foi um incidente extremamente infeliz ou foi uma ação criminosa. Vamos apurar rigorosamente." Se for ação criminosa, "isto é que é terrorismo", acrescentou. Pra ela, é cedo pra dizer que houve sabotagem.

Ta aqui, no blog do O Povo: http://cobertura.opovo.com.br/carnaval2008/#P55582


Eu acho que sabotagem é a opção que pega menos mal pra prefeitura. Mas se foi descuido da empresa, ainda assim recai na administração pública a responsabilidade: por que não fiscalizou essa estrutura?