segunda-feira, 21 de abril de 2008

Música, memórias, melancolia


Com um maço fino de informações impressas e uma câmera fotográfica nas mãos, o escritor Michael Ondaatje percorria as ruas referidas no texto que carregava. As mesmas esquinas que ele tinha descrito, a rua larga e silenciosa, as casas de paredes desbotadas pelo sol. Uns setenta anos antes de o autor fazer aquele percurso, tinha vivido ali o menos famoso entre os inventores do jazz. A história dele prendeu a atenção de Ondaatje quando este descobriu que o músico Buddy Bolden “se tornou uma lenda quando enlouqueceu durante um desfile”.

Dessa cena, contada no livro Buddy Bolden’s Blues, de Michael Ondaatje, não é possível saber precisamente o quanto é relato verdadeiro e o que está ali como parte do encanto da narração. E essa impressão acompanha o leitor ao longo de todo o livro – que é romance, não biografia. Michael deve ter andado por aqueles caminhos uma série de vezes, para sentir o que restava da atmosfera da Nova Orleans do começo do século XX, a fim de descrever tal ambiente em sua obra com a maior fidelidade possível à sua importância na história do jazz.


“Quando ele enlouqueceu tinha a mesma idade que tenho agora”. Quem enlouqueceu foi Charles “Buddy” Bolden, tocador de cornetim numa banda de blues e editor de um pequeno jornal de escândalos, que ganhava a vida como barbeiro. Ele fascinava pelo seu jeito de fazer música: tocava “de ouvido”, improvisava, levava a platéia no clima contagiante que sabia criar. Foi um dos primeiros a misturar blues com hinos de igreja, mas infelizmente não há qualquer gravação de Bolden tocando. Entre 1900 e 1907 ele e sua banda foram considerados os melhores de Nova Orleans. A vida comum de homem casado, com dois filhos, era perturbada pelo álcool e pelos hábitos estranhos de Buddy. Até que, em abril de 1907, tocando com a Henry Allen’s Brass Band num desfile pelo subúrbio de Storyville, ele enlouqueceu. Internado aos 31 anos, viveu num asilo psiquiátrico até morrer, em 1931, aos 54 anos. Quem se inspirou na biografia incomum e cheia de lacunas do músico foi Michael Ondaatje, escritor de ficção, poesia e memórias; autor de O Paciente Inglês (livro transformado em filme em 1996 pelo diretor Anthony Minghella, recebendo o Oscar de melhor filme em 1997). Nascido em 1943, no Sri Lanka, tornou-se cidadão canadense em 1962, onde mora atualmente. Premiado internacionalmente, tem cerca de 27 obras publicadas, escritas entre 1967 e 2007. Buddy Bolden’s Blues foi lançado em 1976, com o título original de Coming through slaughter (“Vindo através de um massacre”, numa tradução livre). O título Buddy Bolden’s Blues foi sugerido pelo próprio Ondaatje para o lançamento em outros países.

A história é contada de maneira muito particular. Tanto pelo estilo não-linear do autor como pela influência do ritmo do jazz, a música que envolve todo o universo de Bolden. Vozes diferentes dividem a narrativa; o narrador, o autor, o protagonista, documentos históricos, personagens reais e fictícios. Essas variações formam uma composição singular, com cenas e descrições fortes; em um movimento ora sutil, ora bruto. Os diálogos pedem leitura mais atenta: não se tem indicação clara de quem fala, se o discurso é direto ou indireto, se é pensamento ou voz audível.
Ondaatje pretendia “pensar com o cérebro e o corpo” de Bolden para bem contar a vida do músico em seus últimos meses de sanidade. Em Buddy Bolden’s Blues, revela-se o talento do autor para preencher a falta de informações biográficas precisas com a imaginação sensível de um romancista que utiliza a poesia e a criatividade para enriquecer a obra. Como Buddy Bolden, que tirava notas vigorosas do ar, soprando-o pelo cornetim, e deixou marca do seu estilo na história do jazz.

O tradutor e a editora

Esta edição de Buddy Bolden’s Blues tem tradução de Paulo Henriques Britto; poeta, contista, tradutor de poesia e prosa e professor de Estudos da Tradução. Dentre os 86 livros que já traduziu, alguns dos autores são Jack Kerouac, Sylvia Plath, Virginia Woolf, Sigmund Freud e Lord Byron. Uma de suas traduções mais famosas é O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams (com Carlos Irineu da Costa). A editora Companhia das Letras publicou, além de Buddy Bolden's Blues, outras obras de Michael Ondaatje: Bandeiras Pálidas e O Paciente Inglês.


Buddy Bolden's Blues (Coming through slaughter, no original), de Michael Ondaatje em tradução de Paulo Henriques Britto. Editora Companhia das Letras, 176 páginas. R$ 38,50 (preço da editora).

sábado, 19 de abril de 2008

Notas melancólicas - parte 16


Não me lembro exatamente, mas a minha primeira experiência melancólica na literatura foi com o Augusto dos Anjos e eu não devia ter mais do que 15 anos de idade. A obra do poeta paraibano foi um dos marcos da minha juventude, evidenciando-me a precoce melancolia. O pessimismo tétrico do escritor enchia minha pobre alma de medo e desesperança. Aos 15, o que me interessava realmente era decadência; eu buscava uma espécie de ruína existencial. Eu era um adorador de sarjetas, e Augusto dos Anjos era a minha conexão com a morte, com o sujo. Meu único objetivo era o fim, e Augusto era o meio.

Entretanto, para muito além de todo o vocabulário cientificista empregado nos poemas, o que mais me cativava o espírito era mesmo a biografia do poeta. É aquela coisa: quando se tem 15 anos de idade, é-se facilmente impressionável, e eu não saberia aqui mensurar o impacto que tive ao ler os poemas e, logo depois, descobrir que o autor havia morrido precocemente. De imediato, minha mente juvenil e pessimista vislumbrou a conexão entre a morte prematura de Augusto e seus poemas que versam sobre a morte. E isso me bastava: ali estava meu ídolo. Um homem com uma trágica biografia escrevendo sobre as coisas funestas da vida.

Por esses dias andei relendo o Eu e Outras Poesias* e constatei que os poemas nem o homem que os lê são mais os mesmos. A impressão profunda deixada outrora não mais me acometeu. O terremoto moral e existencial ocasionados pela leitura dos poemas não se deu, como antigamente. Claro, Augusto dos Anjos sempre será um dos nossos melhores poetas. A beleza dos escritos, a riqueza dos versos clássicos, a precisão científica, as imagens vigorosas construídas pelos vocábulos, o pessimismo dramático, a retórica bem organizada, a força do asco e da morte valorizados em versos plenos de emoção e vivacidade, tudo isso me faz ter a certeza que Augusto dos Anjos é um grande poeta da Língua Portuguesa, hoje e sempre.

Se já não tenho aquele pessimismo estéril da juventude, restou-me a resignação de um envelhecimento que se aproxima; uma serenidade à vista. De Augusto dos Anjos, desejo mais do que a morte pura e simples – escolho a honestidade, a finura e a beleza de seus versos.

Versos como os que se seguem, comoventes até a raiz da alma, escritos para o filho morto logo após o parto. Impossível lê-lo incólume, Augusto dos Anjos nos revela a honestidade dos sentimentos, enquanto nos destila uma dose cavalar de verdadeira amargura dramática.

Soneto

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial,

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogênese de infante
A minha morfogênese ancestral?

Porcão de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!

Ah, possas tu dormir, feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!

* Eu e Outras Poesias é uma coletânea de poemas de Augusto dos Anjos publicado em 1912 e escritos entre 1901 e 1910, ou seja, entre os 17 e 24 anos de idade do autor. Talvez isso seja o fato mais assombroso quando se lê a história de vida de Augusto: com tão pouca idade, foi capaz de escrever sonetos eternos e cravar o nome como grande poeta da literatura brasileira. Augusto dos Anjos morreria em 1914 de pneumonia, na cidade de Leopoldina (MG), apenas dois anos após o lançamento do livro.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Passados 40 anos do Maio de 68, ainda há muito a se desmitificar. Que o movimento político e cultural da década de 60 levou a uma maior abertura da sociedade beneficiando mulheres, imigrantes, etc, isso não me parece restar dúvidas. Todavia, dado o distanciamento histórico, torna-se necessário reconhecer também que algumas idéias marxistas defendidas pelo movimento se mostraram como criminosas. Celebrada mundialmente pelos partidários da revolução socialista, a data também deveria servir de alerta para se denunciar os totalitarismos cometidos pela própria esquerda, em regimes tão piores quanto os da direita.

A liberdade defendida pelos que veneram os acontecimentos de Maio de 68 é sumariamente desprezada quando lembramos que Stálin, Hugo Chávez e Fidel Castro (e outros mais camaradas da esquerda) dominaram ou dominam seus países através de políticas populistas, militaristas e, até, reacionárias. Faz-se urgente a desmistificação da ideologia marxista que manchou de vermelho a liberdade pretendida.

Alguns elementos dessa turma ainda falam em “desvio” do socialismo quando indagados sobre os crimes contra os direitos humanos levados a cabo pelo totalitarismo socialista. É preciso que a esquerda busque dar o que sempre prometeu e nunca cumpriu: a liberdade.

Morte além do ofício

A notícia percorreu o Campus do Benfica como um calafrio: Ícaro de Sousa Moreira, reitor da UFC, havia sido encontrado morto em sua casa, vítima de um ataque cardíaco fulminante na madrugada daquela mesma quinta-feira, 17. Mulher e filhos viajavam, não se sabe quem o encontrou. Conta-se que, na Reitoria, sua ausência causava estranhamento, que virou consternação por volta das 14h. Às 17h, a notícia de seu falecimento abria as portas das salas de aula do Centro de Humanidades 2.

Era surreal. Mesmo entre os que estavam há mais tempo na universidade, poucos haviam vivido uma morte de reitor. Assim, não existia um protocolo claro a seguir. Ninguém sabia se era apropriado contar piadas de oposição até contá-las - e ver que elas não se dissolviam na atmosfera do luto, como o óleo não se mistura à água. Mereceu o benefício da dúvida pensar em questões práticas, se os 3 dias de luto oficial eram contínuos ou não, se haveria aula, se a V Semana de Humanidades prosseguiria na terça-feira: a vida continua. Alguns comemoraram o falecimento do reitor, numa clara demonstração de cruel imaturidade. Outros o transformaram em homem santo, numa clara demonstração de hipocrisia.

Para mim, foi uma questão de humanidade. Antes de reitor, professor, pesquisador, Ícaro Moreira foi um ser humano, que construiu uma história única, constituiu família, atou laços de amizade. Neste momento, não importa o que penso de sua gestão, suas idéias, sua postura política. Importa me solidarizar com sua família e amigos, não pela posição que ocupava na universidade, mas pelo lugar que tinha nos afetos de cada um que com ele conviveu. A todos, meus sentimentos.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Da salutar troca de idéias


19 de setembro de 2003, Sala dos Estudantes, um dos auditórios da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A partir de duas perguntas iniciais (neste debate da realidade econômica, política e social de nosso tempo, tomando por base o marxismo, qual função cabe ao Direito na sociedade? E no seu entendimento, quais as conseqüências de se pensar o Direito desta forma?), digladiaram-se o professor de Direito Alaor Caffé Alves e o filósofo Olavo de Carvalho, diante de uma audiência composta majoritariamente por jovens estudantes.

Tudo ia mais ou menos bem, até que lá pelas tantas...

ALAOR CAFFÉ ALVES: [...] Daqui a pouco vai se falar que a miséria é determinada pelos esquerdistas, pela esquerda…

OLAVO DE CARVALHO : E é, e é.

ALAOR CAFFÉ ALVES : … como está se fazendo colocando a questão de que o FMI é de esquerda, os EUA é de esquerda, Rockefeller é de esquerda etc. Isso é uma coisa maluca. É uma questão emocional muito grave…

OLAVO DE CARVALHO : Ora, o prof. Alaor tem a pretensão de diagnosticar os meus problemas emocionais. Dele, eu só diagnostico uma coisa: ignorância. Primeiro, ignorância dos escritos de Marx. Ele diz que a matéria é função da produção; Marx diz exatamente o contrário: Marx subscreve inteiramente as concepções atomísticas de Demócrito e aceita a ciência newtoniana como a tradução perfeita da realidade. Ademais, a idéia de uma dialética interna da matéria está exposta nos escritos do próprio Engels e faz parte da tradição do movimento comunista. Abolir tudo isso, dizendo que Marx só falou da produção é absolutamente ridículo, é coisa de ignorante, para não dizer mentiroso. Não o acuso de mentiroso mas o acuso de ignorante. Em segundo lugar, com um homem que chega para mim e diz por um lado que “ah, esse momento é da esquerda, a esquerda está com tudo” e, por outro lado, diz que não existe esquerda nenhuma, em algum ponto a coisa está falhando. Em terceiro lugar, o conselho de “esqueçamos a História, nada disto aconteceu, vamos tentar de novo, vamos confiar”, isso é uma palhaçada, isso é pueril. Não se pode aceitar uma discussão nessa base.

ALAOR CAFFÉ ALVES : Bem, eu evidentemente não estava esperando essa agressividade. Essa foi demais.

OLAVO DE CARVALHO : Agressividade é a sua, que começa a falar em problemas emocionais.

ALAOR CAFFÉ ALVES : Veja bem, tem de respeitar. Chamar a gente de ignorante, e pressupor que eu não conheça Marx…

OLAVO DE CARVALHO : Pressupor não: afirmo!

ALAOR CAFFÉ ALVES : ... e ele diz também que quatro décadas foi do Partido Comunista. Maluco isso! Nunca foi coisa nenhuma! Foi nada!

OLAVO DE CARVALHO : O quê? Está me acusando de mentiroso?

ALAOR CAFFÉ ALVES : O senhor me acusou de mentiroso aqui.

OLAVO DE CARVALHO : Não, eu te acusei de ignorante.

ALAOR CAFFÉ ALVES : [Palavras inaudíveis.]

[Tumulto.]

OLAVO DE CARVALHO : Você é que está mentindo.

ALAOR CAFFÉ ALVES : Você é que me xingou!

OLAVO DE CARVALHO : Você é mentiroso! Safado!

ALAOR CAFFÉ ALVES : Ele vem aí com coisa [palavras inaudíveis] anti-socialista ou antimarxista e vem dizer que já foi, sabe, e conhece tão profundamente. Imagine que ele agora não é, porque ele analisou tão profundamente isso e está dizendo…

OLAVO DE CARVALHO : Pois foi exatamente isso que você nunca fez.

ALAOR CAFFÉ ALVES : Ora, pelo amor de Deus!

OLAVO DE CARVALHO : Você é um idiota.

Alaor Caffé Alves : Olha aí! Quer dizer, eu estou falando ao mesmo tempo; agora, se você disser que eu sou idiota. Olhem, vocês me perdoem. Eu sou da Faculdade. Eu não vou permitir uma coisa dessa! Isso é uma agressão pessoal. Eu esperava…

OLAVO DE CARVALHO : Você me agrediu primeiro, falando de problemas emocionais.

ALAOR CAFFÉ ALVES : Eu comecei muito bem, dei para vocês o mais possível a minha idéia a respeito de um conceito sobre Direito, sobre a questão que o Marx colocou; e a coisa foi num crescendo que eu não vou me admitir, vocês me perdoem.

[ALGUÉM DA PLATÉIA]
: Está fugindo?

ALAOR CAFFÉ ALVES : Estou fugindo. Vou fugir. Estou fugindo para respirar.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Do sangue derramado


Intensas repressões político-religiosas transbordam na história da humanidade. Perseguições e execuções cruéis acirraram intolerâncias e geraram inúmeras hostilidades, algumas perpetuadas até hoje. No meio desses conflitos todos, somente uma certeza: mortes aos borbotões.

Um dos episódios mais brutais envolvendo disputas político-religiosas foi, sem dúvida, o massacre do dia de São Bartolomeu em 1572, que teria enorme repercussão por vários séculos na Europa, e, por extensão, no mundo todo.

Chegando à França por volta de 1530, a Reforma de Calvino (teólogo francês, 1509-1564) teve considerável aceitação entre os camponeses e alguns religiosos franceses. País católico, os reis franceses, de início, mostraram-se tolerantes para com os protestantes (lá, conhecidos como huguenotes). Entretanto, com a expansão das igrejas reformistas pela França (a primeira delas foi fundada em 1555, em Paris), o governo real passa a perseguir agressivamente os protestantes, e muitos deles partem da França em busca de um novo lugar onde pudessem exercer livremente sua prática religiosa (no mesmo ano de 1555, por exemplo, um protestante francês, Villegagnon (1510-1571), fundou aqui no Brasil a França Antártica).

Rapidamente, o protestantismo espalha-se, mesmo de forma clandestina, e alcança, além de artesãos e comerciantes, algumas famílias de sangue nobre, como os Bourbon. Pastores eram formados na Suíça, país onde havia maior tolerância civil-religiosa, e enviados a Paris para auxiliar na formação de novos pastores franceses.

Durante esse meio tempo, começaram também os primeiros massacres contra os huguenotes, culminando com o fatídico dia de São Bartolomeu. Na noite do dia 24 de agosto de 1572, um domingo, as tropas reais sob o comando do rei católico Carlos IX (1550-1574) começaram uma prolongada orgia de saques e matanças a huguenotes em Paris, trucidando indiscriminadamente homens, mulheres e crianças protestantes. Os massacres logo se estenderam a outras cidades do interior da França, convertendo-se, no total, em aproximadamente 11 mil mortos*. Um verdadeiro banho de sangue. Algumas dessas pessoas foram mortas por simples suspeitas de terem aderido ao reformismo de Calvino. Famílias inteiras, que não tiveram tempo de escapar ante a brutalidade dos soldados reais, foram massacradas e suas casas foram queimadas com seus corpos dentro. Andou-se sobre cadáveres durante vários dias nas ruas de Paris. O cheiro dos corpos em putrefação permaneceu por vários meses na atmosfera da cidade.

Entre tréguas, hostilidades e guerras, as perseguições a huguenotes permaneceram firmes até 1685, quando milhares deles deixaram a França para viver em países com maior liberdade civil e religiosa, como Holanda, Inglaterra e Estados Unidos. Um triste capítulo no ruidoso livro dos derramamentos de sangue na história da humanidade.

*11 mil almas, alguém pode pensar, não são assim números tão expressivos. O trânsito brasileiro mata uma média de 30 mil pessoas ao ano. Entretanto, convém lembrar, essas 11 mil vítimas foram abatidas a golpes de espada, em uma época em que não existiam ainda as armas de destruição em massa. Estima-se que 70 mil protestantes foram assassinados até o final de 1572, a partir dos ataques de Paris.

terça-feira, 8 de abril de 2008

De inocências e revoluções


Não é me é nada agradável ler, hoje, a história das civilizações humanas. Lê-la seria bem mais divertido se o mundo não se mostrasse como um monótono e eterno teatro sangrento recheado de guerras, revoluções, genocídios, golpes militares, assassinatos de governantes, apropriação indevida do Estado por grupos movidos a interesses particulares e coisas do gênero.

A idade trouxe-me, além de certa maturidade e sabedoria, a verdade: não há nada de novo no front. Personagens de variadas épocas já tentaram por diversas vezes em inúmeros contextos sócio-político-histórico-cultural mudar essa trajetória humana repleta de guerras, revoluções, genocídios, golpes militares, assassinatos de governantes, apropriação indevida do Estado por grupos movidos a interesses particulares e coisas do gênero. Como procuraram isso? Através de mais guerras, revoluções, genocídios, golpes militares, assassinatos de governantes e coisas do gênero.

Definitivamente, já posso bocejar: o mundo me é um infinito mais do mesmo.

domingo, 6 de abril de 2008

Da pressa e dos livros


Na escola, os mestres se esforçavam para nos transmitir a idéia de que Dom João VI não passou de um glutão covarde e indeciso, que fugiu vergonhosamente das tropas francesas de Napoleão Bonaparte para a então colônia brasileira a fim de preservar a própria vida e a de sua corte opulenta. Um monarca a segurar gordurosas coxinhas de frango.

Não obstante tal situação vexatória, D. João VI trouxe consigo milhares de livros da Biblioteca Real de Portugal, livros estes que existem até hoje e se encontram sob os cuidados da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, configurando-se como um vivo patrimônio intelectual. Versam sobre matemática, astronomia, filosofia, história e outras áreas mais do saber humano acumulados em séculos de pesquisa, estudo e conhecimento.

Que tipo de homem, em meio ao caos generalizado proporcionado pelo embarque às pressas de quem foge do inimigo, destinaria tempo e espaço nos escassos e disputados navios disponíveis para alojar dezenas de caixas contendo alguns milhares de livros? Há quem pense que D. João VI trouxe os livros por um mero capricho pessoal. Uma insossa vontade do príncipe regente, acatada com desconfiança por seus súditos desesperados. Na verdade, sábio como ele só, D. João VI sabia que aqueles volumes abrigavam a maior riqueza da coroa portuguesa - a ciência construída ao longo de séculos por gerações de pensadores - e que deixar-lhes cair nas mãos de Napoleão seria talvez fato muito pior que legar-lhe um trono vazio (o que de fato se deu, já que Bonaparte não encontrou a mínima resistência para ocupar o território português).

Um homem que, mesmo sitiado pela aflição extrema do momento, lembrou-se de encaixotar e embarcar milhares de livros para o Brasil não pode ser um tolo fútil como nos faz crer a historiografia oficial. D. João VI sabia que pessoas morrem, são finitas, e livros, apesar das inúmeras tentativas de aniquilá-los, são imortais, eternos enquanto dure a ignorância humana.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

José de Alencar vai convulsionar na cova


Quem imagina que reuniões de departamento só servem para discutir burocracias como grade curricular, horários e concurso pra professor imaginou pela metade. Temas muito mais polêmicos entram constantemente na pauta de discussão. Na última reunião, por exemplo, foi decidido que vamos todos, de mala, cuia e estúdios novos, pra Casa de José de Alencar, lá na Messejana.

Isso mesmo: depois de 40 anos de luta, o curso de Comunicação Social resolveu se mudar para um lugar mais pacato e menos estridente. Os bixos de 2010.1 provavelmente já conhecerão seu novo retiro, junto à casa onde nasceu o autor de Iracema.

A história toda começou com o Reuni e um reitor muito a fim de reformar. 120 milhões de reais é a verba prometida, que será empregada na construção do Instituto de Cultura, Comunicação e Arte (ICCA) lá onde a musa dos lábios de mel banca a Natália Nara pra se banhar. Se fosse no Pici, seriam 60 milhões. E se fosse pra ficar no Benfica? Ah, no Benfica tá difícil... A Coordenadoria de Marketing e Comunicação, dizem as más (e astutas) línguas, precisa de uma nova casa também, e ela seria nosso velho prédio.

Prometem-se novas linhas de ônibus, pra não ficarmos assim tão isolados. Mas, com o Transfor de vento em popa, elas provavelmente só vão sair quando os jubilandos da tal turma de 2010.1 estiverem pra se formar. Como os estudantes vão fazer pra cursar cadeiras opcionais, ampliar seu repertório de línguas estrangeiras ou simplesmente estagiar nos equipamentos de comunicação da UFC ou na Praça da Imprensa é um mistério.

Achou tudo muito surreal? Você não está só. O Jornal Jabá está de volta pra mais uma aventura: descobrir qual é a do ICCA, seus prós e contras, o porquê de tantas reformas no atual prédio do departamento se há a perspectiva de breve mudança, e os motivos por que outros cursos, como o de Arquitetura, deram pra trás na empreitada. Se você também quer brincar de detetive, apareça hoje, às 17h30, nos bancos da cantina. A Comunicação precisa de você!