segunda-feira, 30 de junho de 2008

Enquanto aguardamos o nosso bonde... - Parte 2


Acosso o silêncio, sem, contudo, obtê-lo. Aqui ou alhures, só encontro gritos de pessoas, barulho das televisões e dos automóveis – os dois aparelhos mais ruidosos já criados pela imaginação dos homens. Meu bilhete de despedida seria (será?) sucinto e taxativo. “Fui à busca do silêncio, favor, não interromper”.

Mas as coisas serão diferentes lá na biblioteca de Borges. Ah se serão... Só o Nada será permitido. O único som ouvido será o do farfalhar das páginas sendo passadas, quando não a harpa de alguma bibliotecária divina a executar uma suave melodia qualquer (mas bem baixinho mesmo, hein!). Invariavelmente, elas estarão nuas. Alguém, precavido, poderá argumentar:

- Belas moças nuas distrairão a atenção dos leitores.

Ao passo em que eu lhe responderei.

- A beleza das moças comungar-se-á com as dos livros de modo a torná-las uma só grande beleza.

Outro, mais correto politicamente, ainda há de me perguntar.

- E as mulheres feias, não se encontrarão por lá?

A esse, responderei.

- As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental. Nada mais abominável que uma mulher feia. Aqui é a Biblioteca de Borges, porra! Nada pode me ferir a estética visual ou intelectual.

Ficarei a sós com os livros. Vez por outra, para não passar por anti-social, convidarei Deus para tomar comigo o chá das cinco.

Enquanto aguardamos o nosso bonde...


Para o argentino Borges (1899 – 1986), o paraíso seria uma espécie de biblioteca. Com Mozart soando ao fundo, eu completaria. E belas e jovens bibliotecárias nuas tocando harpa por entre as estantes intermináveis repletas de livros.

O diabo é que as bibliotecas terráqueas são barulhentas e administradas por bibliotecárias velhas e feias. É o que nos resta enquanto esperamos o Éden.

sábado, 7 de junho de 2008

Notas melancólicas - parte 17


Por esses dias chegou-me a notícia: aquele nosso primeiro vizinho, homem taciturno e de tão poucas palavras, havia cometido suicídio. O homem alugara uma casa de praia em localidade distante, adquirira uma arma de fogo e pôs fim à própria vida. O corpo, denunciado pelo mau cheiro, foi encontrado somente dias depois do acontecido, ainda com o revólver em punho. O silêncio de meu primeiro vizinho florescerá para sempre em seus lábios cerrados e em sua garganta que, de hoje em diante, se manterá permanentemente calada. E morto continuará tão mudo enquanto vivo fora.

Bem-aventurados os suicidas porque chegam de armas nas mãos ao outro lado.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Por onde andará Bruno Pontes?


Nunca mais visto em Porquenaotecalas, nosso camarada Bruno Pontes, antes de ter sido flagrado num "protesto" ocorrido na av. 13 de maio na tarde desta sexta-feira 6, foi lido domingo passado no caderno Zoeira, do Diário do Nordeste, dentro das páginas do Zona Cyber.
O recorte é de Roberta Felix.


Desde já, deixo documentado.

terça-feira, 3 de junho de 2008

pensamentos soltos


1)
Marcos López, "Roast in Mendiolaza" (2001)

Estamos na droga pós-moderna. Pós-moderno, Hipermodernidade, Contemporâneo, AlémModerno, chame o que for, essa é a época do vale-tudo salve-se quem puder porralouca . E ninguém vai conseguir nos entender. Talvez o grande problema esteja no modo como a gente olha pra essa época, sempre comparando com outras. Talvez o ponto-chave pra olhar isso tudo esteja na nossa mentalidade, que não conseguiu acompanhar um século de mudanças absurdas, e que provavelmente não acompanhará mais outro século de mudanças extraordinárias...

Has the light gone out for you? Because the light's gone for me It is the 21st century It is the 21st century
- "Bodysnatchers", Radiohead.

... acompanhar essas coisas exige um esforço tão grande.
Sinceramente,
eu penso se lá no fim do século XIX os estudantes e acadêmicos entravam em tamanha aflição só de pensar na modernidade que chegava.

...

Certamente, eles estavam muito intrigados com todo o crescimento urbano e o surgimento das massas...


2)
O ninho gigante de Benjamin Verdonck , em Rotterdam.

As cidades cresceram. Muito. No entanto, muitos espaços foram construídos a consumo mesmo, sem terem acompanhado todo o avanço histórico do seu arredor. São espaços padronizados, sem idiossincrasias, que poderiam ser encontrados da mesma forma em Fortaleza, Pequim, Paris ou Cairo. Me refiro aos não-lugares: sem marcas históricas fortes, não ocupados, deliciosamente prontos para qualquer pessoa se apoderar. Explicitamente: shoppings, metrôs, aeroportos, condomínios, super-mercados...
Novas gerações adoram não-lugares. Amam.
Isso é bom? Ruim?
Não sei.
Mas as novas gerações estão começando a ocupar esses não-lugares, dando-lhes cargas de identidade, transformando-os em lugares.
Onde isso vai dar?
Eu não faço a mínima idéia!

3)

Resist, de Heidi Kumao (2002)

Uma tendência das relações e práticas simbólicas é a imaterialidade, entre a abstração e a fuga de uma realidade convencionada. As ruas não são mais nossas. Os monumentos não são mais necessários. Todas as formas de poder agora não são mais fixas, nem físicas. São abstrações, imagens puras, conceitos - quando não, se ainda demonstram resistência em manifestar-se fisicamente, são fortemente atrelados à elementos puramente imateriais.
Além disso, estamos caindo na bobagem de não termos mais práticas simbólicas. Indo para a imaterialidade, nossas ações estão se transformando em atuação.
Eu não estou agindo feito cidadão: eu atuo feito cidadão quando me é confortável. É um exemplo.
Pouco a pouco as mediações entre as pessoas não são feitas mais nas ruas, por conversas, por encontros. A massa se comunica através da televisão, do jornal, de sms, da internet... Saltamos de mediações físicas ou presenciais para mediações abstratas, à distância. É outro exemplo.

Existem certos elementos que resistem contra essa tendência. Um exemplo seria a fotografia. A foto é o registro de algo que aconteceu na frente da lente da câmera e foi documentado sobre um suporte físico. Para alguns, a fotografia carrega um realismo intrínseco em sua natureza.
Mas,
essa coisa da imaterialidade conseguiu tapear a Fotografia. Veio a fotografia digital e vamos ao encontro de uma imagem construída pela abstração. Fotos digitais não são nada mais do que números e equações (abstrações) de luz, outrora convertida em impulsos elétricos, refletida de algo que estava diante das lentes. Virou abstração.

Maravilha!
Quem é que pode contra a pós-modernidade?