quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 3


A saudade talvez seja o mais melancólico dos sentimentos. O que é a saudade senão um desejo melancólico que nos faz sofrer com o que não se pode esquecer? O termo saudade vem, provavelmente, do latim solitatem, solidão. Do latim, o vocábulo modificou-se sucessivas vezes com o passar dos séculos. De soedade para soidade, daí para suidade, até a forma como o conhecemos hoje, saudade. Suave fumo do fogo do amor, mimosa paixão da alma, mal de que se gosta e um bem que se padece, diversas são as definições para a palavra saudade; não poucos poetas e compositores tentaram explicar, ao longo da história, o sentimento que, até onde se sabe, é universal, vez que pode ser identificado em todas as culturas e em todas as épocas históricas que tiveram o Homem como protagonista. Há referências ao termo na Bíblia, na cultura das tribos africanas e nas tradições dos indígenas brasileiros pré-Portugal.

Uma das mais simples (e paradoxalmente complexas) definições para o sentimento é atribuída ao poeta português Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Para ele, saudade nada mais é do que o “desejo da coisa ou criatura amada, tornado dolorido pela ausência”. Sem dúvidas, parece que sentimos saudade daquilo de que gostamos e gostamos de ter saudades, sentimos prazer nisso. A saudade trás em si vários elementos da melancolia, como a inação e a contemplação e, não raro, a depressão.

Todavia, a mais bela definição para o termo, a referência cristalizada quando se pensa na palavra saudade, vêm mesmo de Camões (1524-1580). Para o poeta,

Não é logo a saudade,

Das terras onde nasceu

A carne, mas é do Céu

Daquela santa cidade

De onde esta alma descendeu

Quase tão bonita quanto a visão de Camões a acerca da saudade, é a do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan (1941). Em 1974 o casamento de quase dez anos com sua então esposa, Sara Dylan, andava em crise e Sara resolve se divorciar do compositor. O processo de separação seria extremamente desgastante e, no decorrer do divórcio, Dylan foi tragado por uma tristeza patológica. Ainda em 1974, em apenas uma noite de insônia, munido de pena e violão, compôs para a esposa uma canção de amor autobiográfica relatando os anos de matrimônio, os cinco filhos pequenos do casal e, ainda, as férias passadas junto a Sara em Portugal. Na letra do poema, Dylan também pedia perdão por suas transgressões e, no último verso, ele, literalmente, chora para a mulher não ir embora. De nada adiantaria. Um ano depois, o processo de separação seria definitivamente concluído e Dylan cairia no alcoolismo. Sem mais delongas, senhores, deixar-vos-ei com a letra da canção, um dos mais belos hinos de saudade de toda a história da música popular.

Sara

I laid on a dune, I looked at the sky,
When the children were babies and played on the beach.
You came up behind me, I saw you go by,
You were always so close and still within reach.

Sara, Sara,
Whatever made you want to change your mind?
Sara, Sara,
So easy to look at, so hard to define.

I can still see them playin' with their pails in the sand,
They run to the water their buckets to fill.
I can still see the shells fallin' out of their hands
As they follow each other back up the hill.

Sara, Sara,
Sweet virgin angel, sweet love of my life,
Sara, Sara,
Radiant jewel, mystical wife.

Sleepin' in the woods by a fire in the night,
Drinkin' white rum in a Portugal bar,
Them playin' leapfrog and hearin' about Snow White,
You in the marketplace in Savanna-la-Mar.

Sara, Sara,
It's all so clear, I could never forget,
Sara, Sara,
Lovin' you is the one thing I'll never regret.

I can still hear the sounds of those Methodist bells,
I'd taken the cure and had just gotten through,
Stayin' up for days in the Chelsea Hotel,
Writin' "Sad-Eyed Lady of the Lowlands" for you.

Sara, Sara,
Wherever we travel we're never apart.
Sara, oh Sara,
Beautiful lady, so dear to my heart.

How did I meet you? I don't know.
A messenger sent me in a tropical storm.
You were there in the winter, moonlight on the snow
And on Lily Pond Lane when the weather was warm.

Sara, oh Sara,
Scorpio Sphinx in a calico dress,
Sara, Sara,
You must forgive me my unworthiness.

Now the beach is deserted except for some kelp
And a piece of an old ship that lies on the shore.
You always responded when I needed your help,
You gimme a map and a key to your door.

Sara, oh Sara,
Glamorous nymph with an arrow and bow,
Sara, oh Sara,
Don't ever leave me, don't ever go.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Notas melancólicas – Parte 2


Nascido por volta de 1440 em uma província pertencente aos Países Baixos, Josquin Desprès tornou-se um dos maiores compositores da sua época. Entoou suas canções melancólicas pela Itália e França, angariou sucesso ainda em vida ao ter sua obra reconhecida pelos seus contemporâneos e veio a morrer como um grande músico, aproximadamente no ano de 1521, deixando para a humanidade uma vasta e rica produção musical, entre hinos, motetos, salmos, canções e missas.

Há um trecho de uma de suas canções, intitulada Plaine de dueil et de melancolye, que sempre me tocou de forma particular, deixando-me, invariavelmente, em miserável estado de morbidez. Colocarei aqui primeiro o poema original e, logo abaixo, uma tradução possível.

Plaine de dueil et de melancolye
voyant mon mal qui tousjours multiplye,
et qu’en la fin plus ne le puis porter,
contraincte suis pour moy reconforter,
me rendre’a toy le surplus de ma vie

...

Cheio de luto e melancolia,
vendo meu mal sempre a crescer,
e vendo que até o seu fim não posso levá-lo,
sou forçado, para me reconfortar,
a dar-te o excesso de minha vida

domingo, 27 de janeiro de 2008


- Eu vou embora.

Fiquei sentada no jardim esperando. A cara bem séria. Minha dignidade fora ofendida. Que viessem me pedir que por favor não fosse, não faça isso, a gente vai sentir tanta falta. Meu pai perguntou rindo pra onde é que eu ia. Minha mãe disse com indiferença medida: vai. E eu fiquei magoada e triste o dia todo. Não pude ir. Tive que ficar, com o meu orgulho ferido e a frustração de reconhecer que eles tinham razão - embora eu nem entendesse isso direito. Mas sentia que minha ameaça não tinha valido nada - então eles me deixariam ir embora mesmo, se eu quisesse?

Talvez minha irmã mais velha tivesse feito a mesma cena um dia, por isso eles nem ligaram quando foi a minha vez. Como tantas outras situações na minha vida infantil, não era novidade pros meus pais. Eles já tinham se acostumado a tanta coisa; eu acostumei com isso. E a mesma ceninha deve ter acontecido em tantas outras famílias em que os pais aprenderam em algum lugar que não se deve dar muita atenção quando as crianças ameaçam sair de casa. É só ficar de olho no portão.

Quando eu era criança um dia eu quis ir embora. Hoje não lembro por que razão, devia ter então uns seis anos. Algum aborrecimento pequeno, mas que na época me deu a impressão de merecer uma reação igualmente grave. Agora que tenho vinte anos, falar em sair de casa soa como uma novidade ruim. Numa conversa despretensiosa com a minha mãe, descobri que a minha intenção de morar sozinha antes de me juntar é para ela um absurdo. Não entende por que alguém sairia do conforto da casa dos pais pra gastar dinheiro morando só, enquanto poderia estar economizando pra se estabelecer bem.

Não é tão complicado. Eu discordo dos meus pais e não quero brigar. Já tentei métodos diferentes, já conversei, já ignorei, já teimei; não mudou muita coisa. Eu penso pra cima e eles pensam pra baixo, ou outra comparação simplista que demonstre nossa diferença de princípios em alguns pontos. Pontos importantes.

Daí que eu tenho vontade de sair de casa, e não é pra ver meus pais me pedindo por favor que fique, não faça isso, a gente vai sentir tanta falta. Aliás, preferia que não fizessem essa cena. Pra gente ver como em quinze ou vinte anos a situação muda...

Por que ainda se ouve o eco de velhas reivindicações

A greve de professores da UECE dura 2 meses, mas a sensação é que faz bem mais tempo que as aulas estão suspensas na universidade. Talvez seja porque as paralisações se sucedem desde 2005.

Naquele ano, como relata a professora Vania Vasconcelos, do Departamento de Letras da UECE, o movimento "teve como resultado a contratação de novos professores para os quadros da Instituição, cujos cursos viviam praticamente de contratações temporárias". Em 2006, o foco foi o reajuste salarial, além de melhorias nas instalações. Aí, criaram-se as raízes da presente greve: acreditando na promessa do governador Cid Gomes de discutir o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV) logo no primeiro mês de gestão, os professores encerraram a greve de 2006. Cid Gomes tomou posse, emplacou o hit do Ronda do Quarteirão e recorreu na justiça contra decisão do STF, pra adiar indefinidamente o reajuste salarial do PCCV. Temos de convir que até que os professores foram pacientes...

Mas paciência tem limite, principalmente quando o Governo Estadual faz uso cada vez mais recorrente de ferramentas legais porém duvidosas para tolher as reivindicações. Quarta passada, a greve foi declarada ilegal, com multa diária de R$500 pro sindicato e tudo, se as aulas não forem retomadas amanhã, sem que se tenha chegado a um consenso quanto ao reajuste salarial. Não há nem mesmo a garantia de que esse reajuste vai acontecer - seja ao longo de 3 anos, como demandam os professores, seja em 4, como talvez conceda Cid.

Por que tanta má vontade? Dizer que essa greve é corporativista não cola: além do aumento pros professores, existem reivindicações que contemplam a universidade e sua relação com a comunidade como um todo, como a construção do hospital veterinário, o incremento de políticas de assistência estudantil, melhorias na estrutura física dos campi da capital e do interior. Ninguém gosta dos atrasos no calendário letivo, porém a questão é muito maior. "O que afeta a qualidade de ensino não é a desarrumação do calendário, mas sim a evasão de professores, a falta de bibliotecas decentes, de laboratórios, de incentivo à pesquisa...", lembra a professora Vania.

Se a situação não mudar nada com mais essa greve, é muito provável que venha outra em 2008. E por que não? Empurrar com a barriga é que não dá. Ou será que é melhor ter aula de qualquer jeito, sem certeza de aproveitamento?

Os dragões nos perseguem


Meu irmão está longe. Não acredito em mais nada. Me fecho ainda mais intensamente na minha armadura. (Pierre-François em Epiléptico)


Não costumo ler HQs. Nem quando era criança tinha paciência pra histórias em quadrinhos. No geral, achava tudo um pouco estúpido. Menos pela deslumbrante harmonia de corpos bem-talhados do que pelos muitos buracos que via nos roteiros de títulos como X-men, Wolverine, Super-homem e tantos outros. Não exatamente buracos, mas aspectos que me faziam achar as motivações dos heróis um tanto inconsistentes e as batalhas intermitentes sem motivo que as pudesse justificar. Desse modo, passei grande parte da infância e adolescência longe do universo dos super-heróis mais apreciados pelos colegas de mesma idade e condição social. Até tentei me obrigar a gostar de revistas, mas não nunca fui além de dois números de Spawn e dos três da versão 2099 dos mutantes mais famosos do mundo.

Acabo de ler Epiléptico (Conrad Editora, 2007), de David B. É uma revista em quadrinhos, sim. Uma HQ, portanto. Uma história contada por meio de imagens e balõezinhos contendo as falas das personagens. É em preto e branco, não tem as cores berrantes e os efeitos que somente a computação gráfica consegue imprimir a muitas páginas laminadas das revistas mais vendidas em bancas de todo o mundo. Os desenhos não são perfeitos, os personagens não têm queixos quadrados, cabelos esvoaçantes, pernas e braços cujos músculos quase chegam a se desprender do próprio corpo. Seus olhos não disparam raios nem eles podem voar. Os heróis de Epiléptico não exibem quaisquer anomalias que os tornem diferentes. São como você e eu. Mas não foi exatamente por isso que, ao fim das cento e setenta e três páginas do livro, passei a considerá-lo uma das melhores coisas que já li até hoje. Pra falar a verdade, não sei por que a história do francês David B., pseudônimo de Pierre-François Beauchard, me fez dar giros em volta de mim mesmo. A exemplo de Jean-Christophe, o epiléptico do título, estou perdido e só me resta um dragão chinês como companheiro.

Antes de Epiléptico, tinha lido V de Vingança, de Alan Moore. Boa revista, sim. Infinitamente superior ao filme. Antes dela, nem lembro. Acho que foram cinco ou seis números de Watchmen, do mesmo Moore. Se me esforçar bastante, chego, agora, à série que narra de forma dramática a morte do Homem de Aço. Li aos dezessete anos. E aqui se finda o histórico completo de minhas experiências mais ricas com quadrinhos. Não sou, portanto, um grande entendedor do assunto. E é como um quase leigo — acostumado apenas ao universo da literatura e do cinema — que repito: David B. é uma das melhores coisas que já li até hoje.

Seus desenhos são alucinados. Seu senso de humor é fantástico. Ele tem uma escrita literária. Constrói situações que fazem rir e chorar. A história que conta — a sua própria — é dramática. Ele trata de um período muito caro a qualquer um de nós: a infância. Faz isso de forma primorosa. Não é piegas nem saudosista. É implacável com todos. Por isso Joe Sacco o considera um dos melhores quadrinhistas da atualidade. Tem sacadas geniais. Ele é GENIAL. Não tenho medo de dizer isso. David B. é GENIAL.

Sei que ainda é muito cedo pra afirmar uma coisa destas, mas lá vai: tenho a impressão de que minha vida seria um pouco diferente se não tivesse acabado de ler Epiléptico, de David B. Como são dois ou três livros, já nem lembro, estou pensando em comprar o segundo amanhã mesmo e devorá-lo sem dó. Se você é dos que torcem o nariz pros quadrinhos, David B., com sua maestria, certamente deve estar cagando pra isso.


Epiléptico (Volume I, Conrad Editora), de David B. Preço: quarenta reais.

sábado, 26 de janeiro de 2008

O furor que vem do céu

Reação retardada... Às vezes acontece.

Viram que chuva? Claro que viram. Ao menos quem estava aqui na cidade. Quase morria. Caiu um raio ao lado do ônibus, e por muito pouco escapei de virar churrasco em plena tempestade. Viraria mesmo? Dizem que dentro do carro não existe perigo, os pneus nos isolam de qualquer descarga elétrica.

Por falar nisso, aquilo foi mesmo tempestade? Tenho minhas dúvidas. Tempestade cheira a exagero, foi mais uma boa chuva com ventos e raios e trovões e muita gente correndo e se escondendo sob as marquises das lojas e outro tanto escorregando e patinando nas calçadas sem saber ao certo o que fazer. Mas os jornais falaram em tempestade, sim. Fiquei querendo ouvir alguém da Funceme, algum geógrafo. Um estudioso que dissesse: “Sim, foi mesmo uma autêntica tempestade”. Agora que as águas já foram drenadas e correram só Deus sabe pra onde, nada disso tem importância. Se foi temporal, chuvão ou tempestade, muito menos.

Bom, no pior momento do pau-d’água estava muito confortável num ônibus com cerca de dez pessoas, voltando pra casa. Achava que os estragos já haviam sido feitos pela chuva que tinha começado duas horas antes e que, naquele instante, parecia querer se acalmar ou simplesmente dar um tempo. Quando o estrondo fez todo mundo dar um salto de suas cadeiras, se entreolhar rapidamente e, em seguida, cair na risada. Fui o único a continuar assustado com aquilo, o restante do grupo se esbaldava, cada um contando ao colega de assento ou mesmo ao que estivesse mais próximo o que diabos estava fazendo ou sobre o que havia estado pensando quando a merda do raio e depois o trovão nos provaram que um dia a coisa será mesmo séria. Nesse dia, a gente não vai ter pra onde correr nem motivos pra rir. Fiquei mesmo impressionado com o poder bélico de um simples fenômeno natural.

E também pensando em ondas gigantes e meteoros e abalos sísmicos e noutras coisas tão ou mais catastróficas que essas, como um ano eleitoral pela frente e o cancioneiro baiano virando jingle de campanha etc. Ainda bem que o pessoal da Marvel e da DC Comics está sempre vigilante, podem nos salvar de todo e qualquer mal.

Até a próxima chuva. Ou tempestade, como queiram.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

CEM PALAVRAS - MÓDULO II

Do sentido contrário

As imagens hipnagógicas pós-janelas são resumidas a veículos passando em alta velocidade, porções desconexas de conversas ordinárias e vultos de construções escondidas pela noite. São pedaços de Fortaleza ficando para trás, materializados em postes de iluminação pública, bancos de praças, semáforos e esquinas vacilantes; fragmentos de memórias que serão esquecidos em breve, enquanto o grande vazio vagando insano pela avenida a oitenta quilômetros por hora não vacila em correr nesse viaduto Centro-Periferia de construções obscenas além dos olhares metálicos dos passageiros limitados às especulações de ações futuras, impulsos sensoriais e diversas linhas de pensamento quebradas voltando, só agora, para casa.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 1


Dias atrás, diagnosticaram-me depressão leve. Pûs-me, desde então, a refletir sobre o assunto, tal qual um filósofo que, tendo as roupas em chamas, para e pensa. "Que interessante, minhas roupas estão pegando fogo. O que isso significa?". Pois bem, reflito. E pesquiso também, afinal, se tenho depressão, quero saber tudo acerca dela; quero cercá-la, compreendê-la, respeitá-la, mas não quero tratá-la, isso não. Certamente não compreendeis minha atitude, caros leitores. Não saberei explicar-vos o porquê disso, mas é assim que vai ser: se tenho depressão, que eu a tenha ainda mais.

A melancolia fala de uma experiência humana peculiar. A melancolia deve ser diferenciada da tristeza, reação até certo ponto normal aos embates da existência. A melancolia também deve ser diferenciada da depressão, como atualmente diagnosticada pelos médicos: um quadro clínico e psicológico para o qual concorrem fatores biológicos, frequentemente genéticos, e agravos de natureza psicossocial.
A depressão é um problema extremamente disseminado. As cifras a respeito variam amplamente, porque se trata de uma situação influenciada por numerosas variáveis, inclusive culturais; mas nos Estados Unidos estima-se que cerca de 12% da população – 20 milhões de pessoas – será acometida de depressão ao longo da vida. Depressão é encontrada em até 30% das pessoas que buscam os serviços de assistência médica geral (O suicídio, que representa o desfecho mais sombrio da depressão grave, também não é uma situação rara; dados da Organização Mundial da Saúde - OMS - estimam que 1 milhão de pessoas morrem por ano no mundo por essa causa. Ainda segundo a OMS, projeta-se que esse número chegue a 1,5 milhão de pessoas em 2020).

A doença pode apresentar-se como depressão propriamente dita, como distimia, que é uma forma crônica, menos severa, e como transtorno bipolar (ou doença maníaco-depressiva), caracterizado por alternância súbita ou gradual de depressão e mania. A depressão se manifesta por tristeza permanente, não raro combinada com ansiedade, sentimentos de desesperança e desvalia, perda de interesse pelo trabalho, pela diversão, pelo sexo, cansaço, dificuldade de concentração, sonolência ou, ao contrário, insônia, perda de apetite ou, ao contrário, necessidade de comer, pensamentos de morte e de suicídio. Na mania, a pessoa se mostra hiperativa, com uma energia aparentemente inesgotável; dorme pouco, fala sem cessar, tem projetos grandiosos e pouco realistas; é irritável, não raro agressiva. Não tratada, a mania evolui para a psicose franca. Alguns tipos de depressão e a desordem bipolar ocorrem em famílias, o que sugere uma predisposição hereditária, biológica. Mas a eclosão da doença depende de outros fatores. Doenças orgânicas, como acidente vascular cerebral, doença de Parkinson, enfermidades cardíacas e desordens hormonais podem estas associadas ao surgimento do transtorno depressivo. A depressão está freqüentemente ligada a alterações na estrutura e na função do cérebro. É mais freqüente em mulheres, o que pode decorrer tanto de fatores hormonais como de sobrecarga emocional. Existe uma condição conhecida como depressão pós-parto em que, de novo, associa-se o estresse da responsabilidade pela criança recém-nascida com alterações hormonais. As mulheres tentam mais o suicído que os homens, mas nestes a taxa de óbito pode ser até quatro vezes maior.

A depressão nos homens pode ser mascarada pelo álcool, pelas drogas, pelo trabalho compulsivo; manifesta-se mais como irritação e raiva do que como desamparo e desesperanca. Homens deprimidos estão menos dispostos a buscar ajuda do que mulheres. A depressão também é comum em idosos e criancas; nestas pode ocultar-se sob a aparência de uma doença orgânica ou pela recusa de ir à escola, por exemplo, ou ainda pelo temor de que o pai ou a mãe morram.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Talvez esperança

O Povo do último domingo trazia uma notícia curtinha, imprensada em um quarto da página de resto tomada por publicidade. Cilene Figueredo, da Agência Brasil, dava conta de dois projetos de lei apresentados pelo senador Pedro Simon em novembro passado. Eles impedem a eleição de políticos condenados judicialmente ou incapazes de provar sua idoneidade. Se um bom marqueteiro, hoje, consegue maquiar crimes que vão de desvio de verbas a assassinato, não vai ter advogado que dê jeito, se essa lei for aprovada.

Já imaginou limpar um sistema em que 163 dos 513 deputados federais, 30 dos 81 senadores e 363 dos 1.059 deputados estaduais estão envolvidos em processos? A lei pode ser um salto rumo a uma política um tanto mais honesta. Soa até estranho juntar na mesma frase política e honestidade, mas, quem sabe...

Como destaca a notícia, tudo depende, em grande parte, de pressão popular. Os números acima indicam a disposição dos parlamentares em aprovar projetos de lei desse tipo. Milhões de eleitores impacientes, porém, pode ser um incentivo e tanto.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Queimem a bruxa!, e outras manobras semelhantes

Não foi a primeira vez que isso aconteceu, e nem vai parar por aí...

Na última quinta-feira, dia 17, o Procon iniciou uma série de apreensões no estado de Goiás. Os alvos da Ação Civil Pública
2002.38.00.046529-6 eram os jogos “Everquest” e “Counter-Strike”, o último muito popular nas lanhouses brasileiras, considerados impróprios para o consumo por serem vistos como nocivos à saúde dos consumidores através dos artigos 6, I, 8, 10 e 39, IV, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

O que se pode ler no próprio site do Procon-GO como justificativa para tal decisão é isso:

O jogo “Counter Strike” (reféns, bomba, fuga, assassinato, armas, técnicas de guerra, táticas de guerrilha) reproduz a guerra entre bandidos e policiais e impressiona pelo realismo. O jogo foi criado nos Estados Unidos e adaptado para o Brasil. No vídeo-game, traficantes do Rio de Janeiro seqüestram e levam para um morro três representantes da Organização das Nações Unidas. A polícia invade o local e é recebida a tiros.

O participante pode escolher o lado do crime: virar bandido para defender a favela sob seu domínio. Quanto mais PM´s matar, mais pontos. A trilha sonora é um funk proibido. Nessa escala de violência, cada um escolhe suas armas: pistolas, fuzis e granadas. Na visão de especialistas, o jogo ensina técnicas de guerra, haja vista o jogador deve ter conhecimento sobre táticas de esconderijo, como se estivesse numa guerrilha.

O jogo “Everquest” leva o jogador ao total desvirtuamento e conflitos psicológicos “pesados”; pois as tarefas que este recebe, podem ser boas ou más. As más vão de mentiras, subornos e até assassinatos, que muitas vezes depois de executados, o jogador fica sabendo (ou não) que era apenas uma armadilha para ser testado para entrar em um clã (grupo).

Os jogos violentos ou que tragam a tônica da violência são capazes de formar indivíduos agressivos, sobressaindo evidente que é forte o seu poder de influência sobre o psiquismo, reforçando atitudes agressivas em certos indivíduos e grupos sociais.


Pelo visto, o pessoal do Procon esqueceu de especificar que o jogo “Counter-Strike” é um mod muito popular de um jogo chamado Half-Life. O artigo da Wikipédia deixa tudo bem explicado. O sistema dessa modificação se tornou popular pela simplicidade e versatilidade: você pode escolher diferentes mapas para travar seus combates virtuais com jogadores interligados em rede local ou mundial. O pacote original – baixado facilmente em qualquer site de downloads, ou comprado em lojas de eletrônicos – já contem alguns mapas para o usuário. No entanto, há possibilidade de aumentar ainda mais o seu acervo de mapas, baixando as áreas de combate pela internet, em sites especializados.

Um dos mapas fabricados por programadores amantes do jogo é justamente o tal do “CS_Rio”, exibido como definição completa do "Counter-Strike" lá na notícia do Procon-GO. A área virtual, que representa uma favela do Rio de Janeiro – com barracos, boteco, fusquinha e até um campinho de futebol – foi criada pelo programador Rogério Sodré, conhecido nos grupos de jogadores como Mataleone, também criador de outros mapas nacionais, um ambientado em São Paulo, e outro em Curitiba. Entrevistado pelo site CS WEB, Mataleone diz que o principal motivo para ter criado o mapa foi a preferência de usuários brasileiros por desejarem jogar em uma favela.

Já olhando para o lado do “Everquest”, um MMORPG que dá liberdade ao jogador em escolher tarefas e construir um personagem mau ou bom, nota-se essa mesma semelhança com a realidade, ao ficar evidente a liberdade de escolha que o jogador pode ter. Mesmo não sendo tão famoso quanto “Counter-Strike”, Everquest é somente um entre tantos outros MMORPG’s que possibilitam essa capacidade de escolha entre bem e mal.

Porém, o que me chamou muita atenção foi o último parágrafo da página. Há uma classificação etária para esses produtos, ditada através da Portaria 1.035 de 2001, do Ministério da Justiça. Atualmente, no Brasil existem 159 jogos inadequados para menores de 18 anos e 187 são impróprios para menores de 16, por conterem violência, consumo de drogas, linguagem inapropriada e insinuações de sexo e nudez.

Voltando ao trecho, a justificativa diz que tais jogos “são capazes de formar indivíduos agressivos...”. Ora, já existe a tal classificação etária, além de cinco projetos de lei, na Câmara dos Deputados, que proíbem a entrada de menores de 16 anos nas lans houses (propostas n° 5447, 5378, 5009 de 2005, e o PL 4361/2004). É até compreensível a ausência de fiscalização online – é praticamente impossível checar o conteúdo de todos os computadores e servidores nacionais – mas, ao menos nas lojas, deveria existir uma maior fiscalização na venda e distribuição desses jogos. Mais do que isso: deveria haver fiscalização em lanhouses, fiscalização dos pais...

Deveria, deveria, deveria...

Essa medida da última quinta-feira(17) mais parece manobra de juízes e advogados para arrecadarem uma grana a mais. Quando li a notícia, no portal da Uol, logo me lembrei da velha cena dos caipirões na praça, segurando foices e facões, gritando “Queimem a bruxa!”. Os exemplos clássicos de mídias sendo culpadas e estigmatizadas por anomalias sociais são diversos: o psiquiatra alemão Fredric Wertham acusando histórias em quadrinhos a transformarem crianças norte-americanas em homossexuais; o pastor Josué Yrion em sua cruzada contra “los nintendos”; as várias lendas urbanas sobre discos da Xuxa... Nada impede de algum político associar o crescimento do número de lanhouses nas periferias das grandes capitais com o aumento dos índices de criminalidade.

Videogames podem treinar você a matar? Steven Poole, autor do livro “Trigger Happy – Videogames and the Etertainment Revolution”, responde de maneira simples. Ele relembra sua infância, quando seu esporte favorito no colégio era a esgrima. Escreve: "eu fui treinado para manejar minha arma favorita, um sabre, com grande velocidade e precisão. As espadas que nós usávamos não tinham ponta, e todos nós vestíamos proteções e máscaras. Mas eu estava perfeitamente equipado para, se eu quisesse, fazer a ponta da minha espada e usar isso para cortar fora membros de meus colegas em poucos movimentos. Não há dúvidas que minha capacidade potencial em matar era aprimorada por minhas atividades de esgrima. Mas não havia motivações para que esse tipo de atividade fosse compreendido como um 'treinamento".

É fato que, assim como todo tipo de produto simbólico, jogos eletrônicos podem ser usados para outros fins além do entretenimento. Seguindo o exemplo dado por Poole, um jovem que jogue o recente “Call of Duty 4” pode já ter alguma noção de batalha em solo iraquiano – aliás, existem jogos especialmente criados no intuito de recrutamento, como o American Army, patrocinado pelo próprio Pentágono. Do outro lado, existem aqueles que defendem o uso de videogames por conta do efeito catarse, onde os jogos eletrônicos causam benefícios em "exaurir" a agressividade em um contexto não-destrutivo (assunto pesquisado por G. I. Kestenbaum e L. Weinstein, em "Personality, Psychopathology and Developmental Issues in Male Adolescent Video Game Use").

Lembrei agora que sadismo e muito sangue não existem apenas em jogos como Manhunt, Carmaggedon ou o lendário G.T.A. . No cinema , recentemente tivemos a série Jogos Mortais (Saw, no original), uma coletânea das mais absurdas torturas e execuções em formato pastelão hollywoodiano.

Os pais sabem o que seus filhos estão jogando, assistindo, lendo? Eles deram suportes suficientes para que seus filhos também tenham responsabilidade sobre o consumo dessas formas simbólicas? Ainda um pouco mais sobre a (falta de) responsabilidade no uso de um tipo de mídia, podemos levantar o raciocínio além e se perguntar quantas medidas tomadas pelo governo são feitas para apenas amansarem nossos sentimentos de pavor e medo relativos às mazelas sociais.

Proibir estes jogos vai diminuir violência? Aumentar fiscalizações vai diminuir violência? Pergunto-me se a grande onda de ações emergenciais que nos atingiu recentemente – ações rasteiras contra o aquecimento global, cortes de impostos, balelas sobre legalização do aborto, rondas dos quarteirões – realmente resolvem o problema; se, no fim das contas, algumas dessas ações servem apenas como um calmante em dose cavalar, que aquieta, de súbito, nossa sensação de pavor e medo, nos deixando com um sorriso bobo, forçando-nos a aceitar um possível destino trágico sem se questionar, apenas feliz e seguro de que está tudo bem...

...de que está tudo aparentemente bem.

O Ronda na minha rua

A data de lançamento oficial foi em novembro de 2007, mas não faz um mês que as pessoas estão vendo ao vivo a Ronda do Quarteirão em ação. Eu, que moro bem próximo dos limites a oeste de Fortaleza e ando bem por longe de casa, já vi os homens bem de perto, em lugares distantes e por aqui mesmo. Sim, também fiquei impressionada.

O jornal O Povo deste domingo traz uma reportagem especial que se propõe a discutir o Ronda: a sensação da população, as notícias e os dados, o uso político do projeto, opinião de cientista social... Veja por aqui.

Sem dúvida o policiamento ostensivo faz um efeito psicológico sensível. A primeira tarefa que o Ronda tem cumprido é diminuir nos fortalezenses a sensação de insegurança. As fardas, os carros, os jovens policiais sorrindo simpáticos e eficientes. Estamos pra saber se surte o efeito esperado também sobre os bandidos.

Na voz do governo, o projeto é promissor e muito bem preparado. Pelo que dizem o governador Cid Gomes e o secretário Roberto Monteiro, todas as providências estão sendo encaminhadas pra não ter furo. A audácia não é pouca: aumento do efetivo de policiais, integração entre setores (como a Guarda Municipal e as polícias Civil e Federal), reformulação da organização interna, extensão para o interior do estado, reforço no equipamento, construção e aparelhamento de cadeias públicas. Significa uma mudança material na Segurança Pública do estado que pretende também uma transformação estrutural e moral. O projeto contempla inclusive a motivação do policial no que diz respeito à carreira, como maneira de estimular e valorizar o bom trabalho no projeto. E é intenção do governo contratar mais quatro mil PMs até 2010 (hoje são 13 mil).

Há quem desacredite do projeto por conta da postura do próprio governo em supervalorizá-lo. Há pessoas pensando que é tudo uma maquiagem, uma ilusão bem arquitetada. Certo é que o governo do estado tem se esforçado pra transmitir confiança às pessoas, e tem investido nessa visão otimista sobre o Ronda. Mas é prudente olhar para propagandas de governo com pelo menos um dos pés atrás.

Considerando que o tempo de implantação é esse de um mês pra cá, é pouco tempo pra avaliar se o Ronda pode ser classificado como "só fachada" ou "solução efetiva". Vamos esperar, e eu espero que o governo invista mesmo nessa grande reforma da segurança pública no estado. Acho que nunca se tentou um projeto tão amplo – e é bom torcer para que os pessimistas e oposicionistas se enganem.

Tivemos um comentário incomum aqui no blog. Foi anônimo, mas o autor se identificou como soldado do Ronda. Disse que era fácil criticar de fora, falar só do equipamento novo, e destacou o valor do material humano do programa. Ele demonstrava uma esperança confiante. Perdão pela demora na réplica, se você voltou aqui e estiver lendo. Se quiser voltar a fazer contato, estamos interessados em conversar e saber mais sobre o projeto no qual você trabalha. Meu email é rfd.felix@gmail.com.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Tentativa I

ROTINA

Me disse rapidamente “Eu não posso fazer nada por você, me desculpe” e saiu, entrou num dos muitos becos do Centro, os panos, pontas de vestidos e camisolas esvoaçavam à sua passagem, os ambulantes sacudiam as cabeças, olhavam-se confusos, os becos estreitos percorridos de forma tão sonora haviam tornado a manhã de quarta-feira estranhíssima mas sobretudo agradável, foi o que ouvi da boca de um deles, um que me pareceu igualmente excêntrico e que me disse, quando lhe pedi informações, “Eu não posso fazer nada por você, me desculpe”, a impressão atordoante de que já tinha escutado a mesma frase.

CEM PALAVRAS - MÓDULO I

SONS

Era dia, era noite, era dia e noite e a música não parava. Fui andando do Benfica até a Tristão Gonçalves, em seguida à Igreja da Sé, voltei por um caminho diferente, parei em frente ao lixão. Uma igreja me assustou, era enorme, tem entradas na 24 de Maio e na própria Tristão. As pessoas, elas não se espantam com tudo isso, portas que nos absorvem. Votei pro Benfica, pedi um sorvete na Castelinho, entrei numa xérox, tirei cópias dos documentos, remeti tudo pra minha mãe e fui pra casa, tirei a roupa, abri um iogurte, deitei e dormi.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

É plágio!

Resolvi copiar e lançar o desafio, que pode cheirar a embuste, sim, mas e daí? No original, o pedido foi feito a escritores. Aqui, faço-o aos camaradas de Por que não te calas?!

Aguardem. Vêm coisas, boas e más, por aí. Na próxima semana, obviamente.

Dirceu, um furacão


Estou terminando a leitura da reportagem O consultor. Recomendo. É muito contida, refreada. A linguagem é simples, fria. Parece ter sido escrita por uma mosca que estivesse acompanhando o dito-cujo. Mesmo assim, recomendo. Ali, aprende-se facilmente a ser cínico e ganhar dinheiro com isso.

Curiosidade: será que ele, o Consultor, tentou em algum momento comer a Daniela Pinheiro, repórter de piauí? Afinal, o cara já foi um dia uma espécie de Don Juan de Marco da esquerda latino-americana. Exerceu um fascínio que, sinceramente, desconhecia. Dirceu foi o Alan Deloin do esquerdismo. Fico pensando na penca de liberadas que esse cara deve ter papado por dia só no discursinho anti-capitalista. Hoje, não se come nem aveia Quaker com o mesmo discurso. Na melhor das hipóteses, apanha-se uma riponga desmiolada e saudosista dos anos 1960.

Vou concluir a reportagem, espero com ansiedade os últimos lances. A certa altura, Dirceu ofereceu um copo de rum à moça, que aceitou. Na verdade, o copo era o dele mesmo. O garoto de Ipanema comunista insistiu em que ela provasse da bebida diretamente no seu copo. Ele pode ser cínico, mas não é bobo.

Por que não te calas?!


Os textos rarearam, sim — mas isso não quer dizer que tenhamos tomado um chá de sumiço. Ao menos não por enquanto. É que as férias estão aí, o sol aquece a cidade, os turistas abarrotam os becos estreitos do Centro, mulheres gordas suam ao carregar sacolas cheias de compras, homens de dois metros e de brancura ofuscante passeiam trajando bermudões cáquis e camisetas regata. Famílias inteiras visitam as tapioqueiras, as lojinhas de artesanato, as barracas de praia, os shoppings, os centros culturais etc. Não temem arrastões, não temem absolutamente nada. Acreditam ferozmente no poder do dinheiro.

E o que todos temos a ver com tudo isso? Quase nada. Excepcionalmente, alguma coisa. Na verdade, minha intenção aqui é simplesmente dar desculpas. É o que venho fazendo, dando desculpas descabidas para a falta de textos, meus e dos demais. Não fomos embora, apenas olhamos de longe a movimentação das coisas, o modo como se comportam, o jeito, a curva do braço ao erguer a taça de champanhe e conduzi-la elegantemente até a boca, que se entreabre como as pernas de uma menina acanhada.

Era isso, estamos aqui, firmes e fortes, com ou sem direito a falar qualquer coisa. Nos mandaram calar e continuamos falando. Sejam todos muito bem-vindos. Espero que gostem de nossa cidade, de nosso clima, de nossa comida, de nossas miçangas, de nossas praias, água de coco, hospedagem, humor. E, principalmente, espero que gostem de nossas meninas. Indico as menorzinhas, com peitinhos espetados e perninhas finas. São o chamariz de nosso cardápio. Em seguida, caso nuvens negras insistam em nublar o lúbrico sonho tropical de cada um de vocês, é só dar um pulinho na sede do Governo do Estado e requerer a contrapartida dos cofres públicos por tê-los aceito aqui, em nossas terras. Em pleno inverno sertanejo.

A temporada de caça aos tubarões começou. Me comprometo com um “texto nada a ver” por semana e outro mais prenhe de razoabilidade a cada quinze dias. É só o que posso fazer por nossa pobre gente desdentada.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Quando o conservador é revolucionário

Do Palácio de Versailles em si, eu não trouxe muitas lembranças. A manhã chuvosa nos arredores de Paris não fez a galeria dos espelhos ofuscar meus olhos. E os contos de reis, amantes, penicos e decapitações se perdiam no zumbido de interjeições dos turistas que congestionavam os corredores.

Não foi a arquitetura ou a memória daquele lugar que me marcaram de fato. Minha lembrança mais viva são os homens e mulheres que surgiram repentinamente, como se estivessem de tocaia atrás das cortinas aveludadas para burlar a segurança do monumento. Bradavam palavras de ordem e panfletavam impressos em papel rosa, branco, verde e azul.

Toda vez que leio algo sobre José Bové, me lembro do calor e da simplicidade daquela manifestação em favor da sua soltura da prisão em 2002, para onde foi mandado depois de depredar uma lanchonete do McDonald's no sudoeste da França.

Essa semana, Bové e Versailles me vieram à cabeça graças a outro panfleto - esse disfarçado de reportagem na revista Veja. Digo panfleto porque, pelo pouco que sei, jornalismo dispensa adjetivos pra se sustentar em fatos substantivos. E, no texto, Bové era caricaturizado como "exibicionista", um esquerdopada (no linguajar de Reinaldo Azevedo) que recorria a depredações e greves de fome, não em defesa de seus ideais, mas para aparecer na mídia. Preciso dizer o quão simplista é esse raciocínio?

Antes do protesto no McDonald's, Bové não passava de um criador de ovelhas anônimo. Basta saber desse fato para entender seu interesse por questões agropecuárias, como as que envolvem os trangênicos. Ele não é nenhuma alma abnegada que luta de graça pra salvar o mundo. Tampouco é um mero "exibicionista" antidemocrático, como quer fazer crer Veja.

Mesmo com uma parcela ínfima de eleitores, Bové aderiu ao processo democrático, ao se canditar à presidência da França nas últimas eleições. Sua oposição aos transgênicos encontra eco em todo o globo, inclusive nos Estados Unidos, terra do McDonald's. E, por mais que discordem de seus métodos, os franceses também demonstram rejeição aos transgênicos. De acordo com a Folha de São Paulo, a França é um dos países que mais resistem à entrada de produtos genéticamente modificados. Foi, inclusive, por pressão francesa, que a União Européia determinou que todo produto com mais de 1% de componentes trangênicos em sua receita deveria trazer um selo de advertência.

No panfleto de Veja, o herói é Robert Burns Woodward, Nobel de Química de 1965, a quem a revista atribui o mérito pela "incrível" Revolução Verde. Além disso, adota-se o discurso manjado que coloca os transgênicos como a solução para a fome do mundo, quando já é fato que, muito antes da sua difusão, a produção de alimentos mundial já era, em tese, suificiente para saciar todos os habitantes da Terra. Na prática, o que faltava e continua faltando, com ou sem transgenia, é distribuir essa comida de maneira igualitária, algo meio difícil quando até os grandes e médios agricultores nacionais acham mais negócio vender sua safra pra fora e destinam as sobras a seus compatriotas.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

E agora, José?!

Antes do almoço: o ex-ministro José Dirceu abriu a boca. Em entrivista à revista piauí de janeiro, admitiu o caixa-dois petista. O deputado cassado na CPI do Mensalão aproveitou a oportunidade para lançar mensagens cifradas em todas as direções.

Corolário inevitável: vem mais sujeira por aí.

Fonte: O Povo.

Latindo para Jesus

Não quero comentar nada – ao menos não agora. Vou dar o serviço e ir almoçar. Quando voltar, se não tiver nada melhor pra fazer, digo qualquer coisa. Portanto, tratem de ler e, na medida do possível, se divertir. Sobretudo com o texto da missa celebrada em latim, publicado na piauí de dezembro.

Antes, porém, dois trechinhos extraídos de Concidadania, coluna assinada por Valdemar Menezes no O Povo. Os trechos, adianto, não têm qualquer relação entre si. O primeiro trata da famigerada Operação Condor e o segundo... Bom, leiam, caríssimos, que já estou com bastante fome.



OPERAÇÃO CONDOR

O pedido de prisão de vários brasileiros, inclusive alguns generais, acusados de participar da Operação Condor (responsável pela captura, tortura e assassinato de militantes políticos de esquerda que combatiam as ditaduras do Continente, na década de 70) feito pelo Ministério Público italiano, provavelmente não dará em nada, devido às leis brasileiras, que proíbem a extradição de patrícios. Contudo, os acusados que ainda estiverem vivos vão ter de pensar duas vezes antes de se arriscarem a fazer alguma viagem ao Exterior. O caso Pinochet ainda está na memória. O ex-ditador ainda amargou uns dias de prisão na Inglaterra. Escapou, mas sua vida se transformou num inferno, daí para frente. A tendência é que crimes contra os direitos humanos, além de imprescritíveis, não fiquem cingidos à jurisdição nacional de cada país, mas aos tribunais penais internacionais.


Na mesma coluna, que se divide em tópicos ou rápidos comentários, lê-se:


Nos últimos tempos, o cardeal [dom Aloísio Lorscheider] via claro que se deveria, desde o início, ter permitido a continuação da antiga liturgia, em Latim, e no rito de São Pio V para os que quisessem.

O bom vem agora:

RESISTÊNCIA HERÓICA

Desde esse ponto de vista - digo eu - e com o distanciamento que o tempo histórico permite, deve-se louvar a resistência dos que se mantiveram fiéis à Tradição e têm sofrido um verdadeiro martírio por causa disso. Não é brincadeira nadar contra a corrente. Graças a essa resistência não só o papa Bento XVI permitiu a volta do antigo rito romano - preservando um patrimônio litúrgico que estava sendo jogado no lixo da História - mas está reafirmando a doutrina tradicional da Igreja, desfazendo muitos equívocos surgidos nos últimos 40 anos. A propósito, no seu livro Sal da Terra (pág.141), comentando as justificativas de algumas correntes contra o uso do Latim, sob a alegação de que o povo precisa compreender tudo o que o celebrante diz, ele explica: "Na nossa reforma litúrgica há uma tendência, a meu ver errada, que visa à 'inculturação' total da liturgia no mundo moderno. Deve, portanto, tornar-se ainda mais curta; e tudo o que é supostamente incompreensível deve ser retirado. Mas desse modo não se compreende a essência da liturgia e da celebração litúrgica. Porque na liturgia não se compreende simplesmente de modo racional, assim como se compreende um discurso, mas de modo complexo através de todos os sentidos e do fato de ser envolvido numa celebração, que não foi inventada por nenhuma comissão (litúrgica), mas que vem, por assim dizer, do fundo dos séculos, e em última análise, da eternidade até mim."


EM TEMPO: peço desculpas pela confusão com as imagens. Vou deixar como estão, uma ocupando o lugar da outra no texto.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

O doce tormento da tecnologia

Depois de um Ano Novo ensolarado e cheirando a cloro de piscina em Natal, volto a tempo de escrever meu texto essa semana e escapar da pena capital. No início, o plano era postar aqui um texto de Ano Novo, mas esse acabou indo pro meu blog. Hoje à tarde e noite adentro, tive uma experiência inspiradora, tentando consertar a conexão com a Internet do meu computador.

Logo cedo, o telefonema do técnico dizendo que já havia trocado nossa placa-mãe, depois de uma facada de 200 e tantos reais, não me deixou eufórica. Experiências anteriores me ensinaram a não acreditar que o retorno do pc da assistência técnica é o fim dos meus problemas de informática. Desta vez, pra variar, o conhecimento prévio se confirmou: o computador ligava normalmente, mas não reconhecia que havia um modem conectado a ele. Meu pai saiu afobado pra buscar o técnico e trouxe José, um cara que alcançava meu ombro e trazia um cavanhaque amigável e correntes prateadas grossas, entrevistas pela camisa verde listrada que ele vestia, apesar de esta ser uns 4 números acima do seu e bater quase nos joelhos da calça jeans frouxa. Lutou com o discador por umas 2 horas, papeando com todos os atendentes do 0800 e com Wagner, o colega da loja que sacava de redes.

Então meu pai trouxe Wagner, que se parecia com José, só que 50 centímetros mais alto. Não era tão amigável, tinha dois celulares com ringtones de gosto duvidoso e não parava de atendê-los, nem quando estava falando com o atendimento da Velox em nosso telefone fixo. Fez uma verdadeira roleta-russa com nossas conexões, até conseguir uma senha provisória da Telemar e nos deixar, às 7 da noite, com o dever de casa de contatar o provedor em busca de nossa senha perdida, coisa que só consegui depois de um jantar indigesto e um certo telefonema tranqüilizador no meu celular.

Enquanto travava essas pequenas batalhas, não parava de remoer a sensação de impotência que sinto toda vez que preciso dos serviços de um técnico de informática. Não posso impedi-los de agirem com má-fé para lucrarem mais, não faço idéia do que eles estão falando ou fazendo e não há nem mesmo como ter certeza de que, ao final, vão me devolver minha máquina inteirinha depois de uns remendos. O mais provável é mesmo que a devolvam necessitando de remendos novos.

É o velho dilema da nossa sociedade especializada, tão complexa, que é impossível entender de tudo satisfatoriamente. Quem entende do que você precisa, seja ele um médico, um mecânico, um técnico de informática ou um professor de Física, ganha, enquanto tem utilidade, um poder inquestionável de decisão sobre sua rotina.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Dois medos sobre o funcionalismo público

Era dia 30 quando eu fiquei sabendo a novidade ruim. O pai de um amigo meu tinha sido despejado da empresa aonde trabalhava, há não sei quanto tempo (porém muito), e o clima na casa da família não combinava muito com a festividade do final de ano.

Eles têm um padrão de vida alto. Dois carros na garagem, uma filha estudando em colégio particular caro, um filho dentro da Federal num curso concorrido, jantam fora quase todo fim de semana, viajam todo mês e por aí vai. Contando que o chefe da casa receberá uma boa grana pelo despejo, seguros e tudo mais, acho que eles se resolvem por uns meses, baixando o padrão de vida pra custear algumas das contas de prioridade - o colégio da filha, energia, telefone, água e a empregada de longa data, acho.

Onde eu quero chegar é no filho mais velho da família, o que é meu camarada. Depois dessa bomba, o sujeito resolveu prestar concurso público, nível médio, pra ajudar a família nessa fase escrota. O concurso até que se encaixa na área dele e tenho quase certeza de que o bacana vai conseguir a vaga dele - ele tem muito potencial. No entanto, todos esses acontecimentos me lembraram de um medo particular que tenho: o do funcionalismo público.

Muitos dos velhotes falam que esse negócio de ser profissional liberal é doidice, que você só é alguém mesmo quando arruma um emprego público, porque "tem estabilidade, seu dinheirim garantido, não tem patrão e você aparece quando bem quiser" (palavras copiadas e coladas de vários discursos de velhotes).

Quando recebo um discurso desses de alguém mais velho - e olha que sempre é num tom de arrependimento - fico pensando: porra, mas se eu quisesse ser funcionário público eu não teria ralado tanto pra entrar na universidade ou então teria escolhido Direito e lá eu ganharia umas montanhas de grana depois, entrando num desses concursos de nível maior. Porém não escolhi porque me parecia mais fascinante o grande prazer de entrar numa graduação, porque é justamente o de ser e saber, por completo, a boa base da área que você escolhe, além de ter acesso a muita coisa que o antigo olhar leigo não via.

Também, em parte, não escolhi me moldar pra ser um "concurseiro" porque, porra, o que é que vou fazer recebendo 18.000 reais todo mês?! Eu só precisaria de uns 1.500 pra viver bem, sendo solteiro e morando em Fortaleza - onde o custo de vida não é tão alto. Tem gente que acha burrice ou ingenuidade minha. Eu prefiro nem comentar. Gosto pessoal.

Não tô visualizando bem o que quero abordar com esse post. Isso tá mais parecendo como um desabafo, um medo estranho por trabalhos em repartições, um medo desse grande negócio que cresce a cada dia na nossa cidade e no país: cursinhos, apostilas, professores ganhando muita e muita grana pra ensinar métodos de decoreba pra responder os exames – o que me lembra o vestibular, que me lembra o terceiro ano, que me lembra um dos anos mais improdutivos que já tive.

Depois de escrever esse último período, me veio a imagem de centenas de pessoas trancafiadas nos finais de semanas em salas de cursinhos preparatórios pra concursos. Quantos deles queriam ser, na verdade, pintores, músicos, filósofos, carpinteiros, desenhistas, escritores, fotógrafos, escultores, ou outros ofícios que não trazem tanta visibilidade financeira atualmente? Posso ir mais além e perguntar se muitos deles gostariam de ser médicos, enfermeiros, arquitetos, projetistas, engenheiros, jornalistas, publicitários ou outra profissão que possua uma área enorme de atuação, porém, essas pessoas que escolheram as apostilas de cursinho acharam que seria mais seguro ter um cargo público de estabilidade do que se aventurar numa carreira dessas.

Não sei se isso é medo de ter que construir seu caminho peça a peça, ou comodismo pra arranjar algo com piso salarial alto e nenhuma surpresa malvada. Ou os dois, quem sabe. Mas de duas coisas eu tenho certeza. A primeira é de que eu tenho um tanto de medo de entrar pra grande massa de carregadores de Vade Mecum sob o sovaco. E a segunda coisa que eu tenho medo é de, quando ficar velho, repetir o mesmo discurso que os velhotes me falam, num tom nostálgico e arrependido.

E pra quem se interessou por estabilidade, nesse ano o Ceará abre 7000 vagas pra cargos públicos.