domingo, 27 de janeiro de 2008


- Eu vou embora.

Fiquei sentada no jardim esperando. A cara bem séria. Minha dignidade fora ofendida. Que viessem me pedir que por favor não fosse, não faça isso, a gente vai sentir tanta falta. Meu pai perguntou rindo pra onde é que eu ia. Minha mãe disse com indiferença medida: vai. E eu fiquei magoada e triste o dia todo. Não pude ir. Tive que ficar, com o meu orgulho ferido e a frustração de reconhecer que eles tinham razão - embora eu nem entendesse isso direito. Mas sentia que minha ameaça não tinha valido nada - então eles me deixariam ir embora mesmo, se eu quisesse?

Talvez minha irmã mais velha tivesse feito a mesma cena um dia, por isso eles nem ligaram quando foi a minha vez. Como tantas outras situações na minha vida infantil, não era novidade pros meus pais. Eles já tinham se acostumado a tanta coisa; eu acostumei com isso. E a mesma ceninha deve ter acontecido em tantas outras famílias em que os pais aprenderam em algum lugar que não se deve dar muita atenção quando as crianças ameaçam sair de casa. É só ficar de olho no portão.

Quando eu era criança um dia eu quis ir embora. Hoje não lembro por que razão, devia ter então uns seis anos. Algum aborrecimento pequeno, mas que na época me deu a impressão de merecer uma reação igualmente grave. Agora que tenho vinte anos, falar em sair de casa soa como uma novidade ruim. Numa conversa despretensiosa com a minha mãe, descobri que a minha intenção de morar sozinha antes de me juntar é para ela um absurdo. Não entende por que alguém sairia do conforto da casa dos pais pra gastar dinheiro morando só, enquanto poderia estar economizando pra se estabelecer bem.

Não é tão complicado. Eu discordo dos meus pais e não quero brigar. Já tentei métodos diferentes, já conversei, já ignorei, já teimei; não mudou muita coisa. Eu penso pra cima e eles pensam pra baixo, ou outra comparação simplista que demonstre nossa diferença de princípios em alguns pontos. Pontos importantes.

Daí que eu tenho vontade de sair de casa, e não é pra ver meus pais me pedindo por favor que fique, não faça isso, a gente vai sentir tanta falta. Aliás, preferia que não fizessem essa cena. Pra gente ver como em quinze ou vinte anos a situação muda...

5 comentários:

Débora Medeiros disse...

Realmente, faz falta ter pra onde ir quando as discordâncias extrapolam a paciência. Mas, na falta de um lugar concreto pra se refugiar, o jeito é mesmo se adaptar até ter condições de tomar alguma atitude...

Anônimo disse...

É, eu também quis ir embora.Mas não passei nem um minuto na rua e voltei.

Anônimo disse...

Menina, adorei o texto, e o legal é que eu já quis tanto ir embora e hoje estou numa situação parecida com atua, só que com o misto de não querer sair. Você quer e ao mesmo tempo não quer...

Roberta Felix disse...

Pois é. É uma vontade de sair por algumas coisas, e outras realmente fazem a gente querer ficar. Enquanto a gente não sai, vai ponderando...

Ah, to lendo sobre o assunto e acho que vai sair mais coisa.

bruno reis disse...

se tua irmã tivesse educado eles, como já tinha feito antes, isso não acontecia =p

e que coincidência aprazível, li esse texto enquanto escutava my little child, da sinéa o'cconor :)