quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Dois medos sobre o funcionalismo público

Era dia 30 quando eu fiquei sabendo a novidade ruim. O pai de um amigo meu tinha sido despejado da empresa aonde trabalhava, há não sei quanto tempo (porém muito), e o clima na casa da família não combinava muito com a festividade do final de ano.

Eles têm um padrão de vida alto. Dois carros na garagem, uma filha estudando em colégio particular caro, um filho dentro da Federal num curso concorrido, jantam fora quase todo fim de semana, viajam todo mês e por aí vai. Contando que o chefe da casa receberá uma boa grana pelo despejo, seguros e tudo mais, acho que eles se resolvem por uns meses, baixando o padrão de vida pra custear algumas das contas de prioridade - o colégio da filha, energia, telefone, água e a empregada de longa data, acho.

Onde eu quero chegar é no filho mais velho da família, o que é meu camarada. Depois dessa bomba, o sujeito resolveu prestar concurso público, nível médio, pra ajudar a família nessa fase escrota. O concurso até que se encaixa na área dele e tenho quase certeza de que o bacana vai conseguir a vaga dele - ele tem muito potencial. No entanto, todos esses acontecimentos me lembraram de um medo particular que tenho: o do funcionalismo público.

Muitos dos velhotes falam que esse negócio de ser profissional liberal é doidice, que você só é alguém mesmo quando arruma um emprego público, porque "tem estabilidade, seu dinheirim garantido, não tem patrão e você aparece quando bem quiser" (palavras copiadas e coladas de vários discursos de velhotes).

Quando recebo um discurso desses de alguém mais velho - e olha que sempre é num tom de arrependimento - fico pensando: porra, mas se eu quisesse ser funcionário público eu não teria ralado tanto pra entrar na universidade ou então teria escolhido Direito e lá eu ganharia umas montanhas de grana depois, entrando num desses concursos de nível maior. Porém não escolhi porque me parecia mais fascinante o grande prazer de entrar numa graduação, porque é justamente o de ser e saber, por completo, a boa base da área que você escolhe, além de ter acesso a muita coisa que o antigo olhar leigo não via.

Também, em parte, não escolhi me moldar pra ser um "concurseiro" porque, porra, o que é que vou fazer recebendo 18.000 reais todo mês?! Eu só precisaria de uns 1.500 pra viver bem, sendo solteiro e morando em Fortaleza - onde o custo de vida não é tão alto. Tem gente que acha burrice ou ingenuidade minha. Eu prefiro nem comentar. Gosto pessoal.

Não tô visualizando bem o que quero abordar com esse post. Isso tá mais parecendo como um desabafo, um medo estranho por trabalhos em repartições, um medo desse grande negócio que cresce a cada dia na nossa cidade e no país: cursinhos, apostilas, professores ganhando muita e muita grana pra ensinar métodos de decoreba pra responder os exames – o que me lembra o vestibular, que me lembra o terceiro ano, que me lembra um dos anos mais improdutivos que já tive.

Depois de escrever esse último período, me veio a imagem de centenas de pessoas trancafiadas nos finais de semanas em salas de cursinhos preparatórios pra concursos. Quantos deles queriam ser, na verdade, pintores, músicos, filósofos, carpinteiros, desenhistas, escritores, fotógrafos, escultores, ou outros ofícios que não trazem tanta visibilidade financeira atualmente? Posso ir mais além e perguntar se muitos deles gostariam de ser médicos, enfermeiros, arquitetos, projetistas, engenheiros, jornalistas, publicitários ou outra profissão que possua uma área enorme de atuação, porém, essas pessoas que escolheram as apostilas de cursinho acharam que seria mais seguro ter um cargo público de estabilidade do que se aventurar numa carreira dessas.

Não sei se isso é medo de ter que construir seu caminho peça a peça, ou comodismo pra arranjar algo com piso salarial alto e nenhuma surpresa malvada. Ou os dois, quem sabe. Mas de duas coisas eu tenho certeza. A primeira é de que eu tenho um tanto de medo de entrar pra grande massa de carregadores de Vade Mecum sob o sovaco. E a segunda coisa que eu tenho medo é de, quando ficar velho, repetir o mesmo discurso que os velhotes me falam, num tom nostálgico e arrependido.

E pra quem se interessou por estabilidade, nesse ano o Ceará abre 7000 vagas pra cargos públicos.

3 comentários:

Dna.Mocinha disse...

Jovenzinho, acho que em parte concordo contigo, mas em parte sou obrigada a discordar. Principalmente quando você diz que conseguiria viver com 1500 reais... Se você continuar morando an casa da sua mãe, até acho provável, afinal, as mães tendem a nos mimar e custear algumas muitas coisas nossas. E não só isso... Sei lá, os profissionais concursados têm algumas vantagens que meu espírito liberal é obrigado a reconhecer. E nem é só a estabilidade. Tu já pensou em carga horária reduzida e aposentadoria precoce? Pois é! Depois a gente conversa mais...

Yuri Leonardo disse...

Hum.. Vendo por esse lado, tu tem razão, Georgia.
É meio ruim de que eu fale isso, visto que nunca morei sozinho e nem sou profissional ainda. :D
O post foi mais pra dar uma cutucada nesse assunto mesmo...

Débora Medeiros disse...

Essa concursite é mesmo assustadora. Começar sua vida profissional ganhando 18.000 pilas por mês não é nada benéfico: é bom fazer uns malabarismos pra viver com mixaria, sim, porque isso te leva a procurar sempre evoluir.

Um dos motivos por que nem com toda a instabilidade financeira daqui de casa penso em fazer concurso é meu medo de me acomodar: não ter a chance pular de emprego em emprego, acumulando vivências boas e ruins, enquanto sou jovem e posso morar com meus pais e comprometer minha saúde trabalhando muito pra ganhar pouco.

Acho que concurso nos subtrai de experiências importantes não pro bolso, mas pra vida. Ninguém precisa ser peão a vida inteira, se está fazendo o curso que gosta e não tem medo de tentar vários campos instáveis de atuação. Um dia, a experiência acumulada te leva mais longe e você vai dar graças a Deus por nunca ter feito concurso :p