segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Debate virtual

O texto que segue foi escrito como resposta a outro, disperso no caos da internet.

Que diabos é um “capitalismo aperfeiçoado”?! Onde tem isso? Nos EUA? Se for, a que preço? Outra coisa: a relação entre explorados e exploradores (base do sistema) pode ser reduzida ao asséptico “vendedores e compradores de serviço que se relacionam mediante um contrato”? É só isso mesmo? Bom, a dona de uma butique no Iguatemi vende produtos que são comprados por alguém, certo? Roupas, calçados, acessórios de couro etc. Tem três ou quatro vendedoras trabalhando das 14 às 22 horas, com uma hora para lanche. As meninas ganham, se ralarem bastante, em torno de setecentos reais. Ela, a dona da loja, uns sete mil líquidos – descontados todos os gastos no mês (valor também hipotético). No final do expediente, as empregadas voltam pra casa, no Conjunto Ceará ou Parangaba, de Av. Paranjana ou Grande Circular II. A dona da loja, de Corolla, que é estacionado na garagem para três vagas do condomínio fechado na Água Fria, pertinho do Porto das Dunas. Nisso não há qualquer traço de exploração, eu imagino, mas apenas o resultado natural de uma sadia competição.

Assim como também não há exploração no agronegócio ou na carcinicultura ao longo do litoral cearense. As populações que viviam da pesca (viviam, sim, não vivem mais) foram ameaçadas por jagunços e expulsas. Muitos vieram pra Capital mendigar, roubar e vagar pelas ruas. O capitalismo não tem mesmo nada a ver com isso.

No Ceará, milhares de índios e índias têm suas terras invadidas por empresas como a Ypióca e Ducôco (o nome dela é com acento mesmo). Como os pescadores, são ameaçados com bastante freqüência até que aceitem os termos propostos pelos “vendedores de serviços”. Os indígenas são obrigados a ter seus recursos hídricos exauridos. Nisso também não há exploração.

Vocês sabem por que temos liberdade de expressão? Porque é conveniente tê-la. Sem ela, um setor dos negócios despencaria consideravelmente, meus caros. Quando a liberdade não era tão bem-vista, ela simplesmente não existia. Não foi assim na ditadura? Parece que nosso sistema não é tão bonzinho quanto parece. Chego até a desconfiar de que a invasão do Iraque tenha sido motivada unicamente por petróleo. Mas, claro, um sistema tão justo não sacrificaria a vida dos próprios americanos apenas para garantir mais lucros aos negócios da família Bush. Isso seria realmente terrível. Melhor acreditar que o capitalismo se interessa mesmo em propagar o regime democrático e combater a tirania, pôr fim aos diversos e implacáveis “Eixos do Mal”.

Fico por aqui, meus caros. Se fosse vocês, teria mais cuidado ao defender um sistema que tem pecados tão terríveis quanto os do comunismo. Antes que perguntem se eu deixaria o Brasil pra viver em Cuba, eu respondo: nunca. Por outro lado, vocês não vão me ouvir dizer que o capitalismo traz enormes benefícios a todos nós, sem distinção. Traz aos filhos da classe média, que podem cursar jornalismo numa universidade pública. Mas vocês também devem achar que tudo isso se resume a uma questão de mérito, certo?

Aí eu me pergunto: por que somente brancos com renda mensal superior a meia dúzia de salários mínimos (valor hipotético) têm méritos? Os estudantes de escola pública são realmente menos aplicados que os bem alimentados meninos e meninas do Ari de Sá e 7 de Setembro, dois grandes colégios de Fortaleza? Meu Deus, existem coisas que não entram na minha cabeça! Por exemplo: eu conto nos dedos de uma mão os alunos de origem pobre que conseguiram vencer o vestibular e hoje estudam jornalismo ou medicina ou direito ou ciências da computação na Federal do Ceará. Por quê? São menos inteligentes que você ou eu?

Um comentário:

Débora Medeiros disse...

Ótimo texto, Henrique. Gosto das suas reflexões políticas porque tendem a fugir do simplismo e jogar com dados da realidade. Muito bom mesmo!