sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Quando o conservador é revolucionário

Do Palácio de Versailles em si, eu não trouxe muitas lembranças. A manhã chuvosa nos arredores de Paris não fez a galeria dos espelhos ofuscar meus olhos. E os contos de reis, amantes, penicos e decapitações se perdiam no zumbido de interjeições dos turistas que congestionavam os corredores.

Não foi a arquitetura ou a memória daquele lugar que me marcaram de fato. Minha lembrança mais viva são os homens e mulheres que surgiram repentinamente, como se estivessem de tocaia atrás das cortinas aveludadas para burlar a segurança do monumento. Bradavam palavras de ordem e panfletavam impressos em papel rosa, branco, verde e azul.

Toda vez que leio algo sobre José Bové, me lembro do calor e da simplicidade daquela manifestação em favor da sua soltura da prisão em 2002, para onde foi mandado depois de depredar uma lanchonete do McDonald's no sudoeste da França.

Essa semana, Bové e Versailles me vieram à cabeça graças a outro panfleto - esse disfarçado de reportagem na revista Veja. Digo panfleto porque, pelo pouco que sei, jornalismo dispensa adjetivos pra se sustentar em fatos substantivos. E, no texto, Bové era caricaturizado como "exibicionista", um esquerdopada (no linguajar de Reinaldo Azevedo) que recorria a depredações e greves de fome, não em defesa de seus ideais, mas para aparecer na mídia. Preciso dizer o quão simplista é esse raciocínio?

Antes do protesto no McDonald's, Bové não passava de um criador de ovelhas anônimo. Basta saber desse fato para entender seu interesse por questões agropecuárias, como as que envolvem os trangênicos. Ele não é nenhuma alma abnegada que luta de graça pra salvar o mundo. Tampouco é um mero "exibicionista" antidemocrático, como quer fazer crer Veja.

Mesmo com uma parcela ínfima de eleitores, Bové aderiu ao processo democrático, ao se canditar à presidência da França nas últimas eleições. Sua oposição aos transgênicos encontra eco em todo o globo, inclusive nos Estados Unidos, terra do McDonald's. E, por mais que discordem de seus métodos, os franceses também demonstram rejeição aos transgênicos. De acordo com a Folha de São Paulo, a França é um dos países que mais resistem à entrada de produtos genéticamente modificados. Foi, inclusive, por pressão francesa, que a União Européia determinou que todo produto com mais de 1% de componentes trangênicos em sua receita deveria trazer um selo de advertência.

No panfleto de Veja, o herói é Robert Burns Woodward, Nobel de Química de 1965, a quem a revista atribui o mérito pela "incrível" Revolução Verde. Além disso, adota-se o discurso manjado que coloca os transgênicos como a solução para a fome do mundo, quando já é fato que, muito antes da sua difusão, a produção de alimentos mundial já era, em tese, suificiente para saciar todos os habitantes da Terra. Na prática, o que faltava e continua faltando, com ou sem transgenia, é distribuir essa comida de maneira igualitária, algo meio difícil quando até os grandes e médios agricultores nacionais acham mais negócio vender sua safra pra fora e destinam as sobras a seus compatriotas.

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