domingo, 6 de abril de 2008

Da pressa e dos livros


Na escola, os mestres se esforçavam para nos transmitir a idéia de que Dom João VI não passou de um glutão covarde e indeciso, que fugiu vergonhosamente das tropas francesas de Napoleão Bonaparte para a então colônia brasileira a fim de preservar a própria vida e a de sua corte opulenta. Um monarca a segurar gordurosas coxinhas de frango.

Não obstante tal situação vexatória, D. João VI trouxe consigo milhares de livros da Biblioteca Real de Portugal, livros estes que existem até hoje e se encontram sob os cuidados da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, configurando-se como um vivo patrimônio intelectual. Versam sobre matemática, astronomia, filosofia, história e outras áreas mais do saber humano acumulados em séculos de pesquisa, estudo e conhecimento.

Que tipo de homem, em meio ao caos generalizado proporcionado pelo embarque às pressas de quem foge do inimigo, destinaria tempo e espaço nos escassos e disputados navios disponíveis para alojar dezenas de caixas contendo alguns milhares de livros? Há quem pense que D. João VI trouxe os livros por um mero capricho pessoal. Uma insossa vontade do príncipe regente, acatada com desconfiança por seus súditos desesperados. Na verdade, sábio como ele só, D. João VI sabia que aqueles volumes abrigavam a maior riqueza da coroa portuguesa - a ciência construída ao longo de séculos por gerações de pensadores - e que deixar-lhes cair nas mãos de Napoleão seria talvez fato muito pior que legar-lhe um trono vazio (o que de fato se deu, já que Bonaparte não encontrou a mínima resistência para ocupar o território português).

Um homem que, mesmo sitiado pela aflição extrema do momento, lembrou-se de encaixotar e embarcar milhares de livros para o Brasil não pode ser um tolo fútil como nos faz crer a historiografia oficial. D. João VI sabia que pessoas morrem, são finitas, e livros, apesar das inúmeras tentativas de aniquilá-los, são imortais, eternos enquanto dure a ignorância humana.

2 comentários:

Débora Medeiros disse...

Realmente, Rodolfo, faz sentido. E fico me perguntando: por que D. João VI, Carlota Joaquina e companhia geralmente são retratados de maneira tão maniqueísta e caricata?

Bruno Pontes disse...

Só uma mente especial pode pegar um fato e extrair dele algo que nunca notaríamos. Grande Rodolfo.