domingo, 10 de fevereiro de 2008

O que há no subterrâneo?


Vi Elefante (2003), de Gus Van Sant. Gostei. Isso resume bem o sentimento. É um filme contido, lento. Como se dissesse: “As coisas realmente aconteceram assim no dia dos assassinatos”. Ele se aplica na construção da rotina de uma escola norte-americana. Refaz com precisão os últimos passos de meninos e meninas. Detém-se nos diálogos, que não têm qualquer coisa de anormal. Eles nos mostram jovens conversando sobre coisas que muitos jovens no mundo inteiro conversam. Isso assusta um bocado. Digo, toda essa calmaria é tensa. O filme é tenso. É falsamente distendido.

Gus Van Sant nos puxa pelas mãos através dos corredores da escola onde estudam os dois meninos assassinos. Todo o processo é delicado, sem picos ou cortes nervosos. Tem pouco mais de uma hora de imagens. Mesmo assim, é demorado. A câmera engata na rabeira do jogador de futebol (acho que ele não gostaria de ouvir isso), o típico galã das escolas estadunidenses, e o segue por três ou quatro minutos — em cinema, isso é uma eternidade. Em seguida, salta pra outro garoto ou garota, atravessa as dependências da escola, entra na cozinha, passeia pelas prateleiras, estaciona na sala do diretor. Todos se cruzam nos corredores, no refeitório, na biblioteca, no estacionamento. O tempo é sanfonado, vai e vem durante o filme. Pegamos carona nos modos de cada um deles, ouvimos as conversas, somos testemunhas do que virá.

O que acho disso tudo? Já disse. É um filme bom. Se dissesse mais estaria sendo exagerado. É curto. Acaba quando achamos que vai esquentar. Mas gosto de como ele enxerga o que aconteceu naquele dia. Não quer explicar nada, dá pistas e só. Acho que nem pistas são, estão ali porque não poderiam estar de fora e pronto. De qualquer forma, é como se fossem a razão de tudo aquilo. Pelo menos, foi a isso que me prendi logo que vi o filme. É a minha explicação pra coisa toda, pra todas as mortes, pra doideira que é ver jovens transtornados por uma cultura beligerante. Não sei se é a de Gus Van Sant. Ele não diz nada.

Elefante só tem um ponto-fraco. É nítido, quando surge dizemos na lata: caramba, essa cena é bem Sessão da Tarde. Não é exatamente uma fraqueza. O problema é mais de forma que de conteúdo. A situação é conhecida de todos. Nela, um garoto é achincalhado pelo restante da turma. Ele é o patinho feio da sala, todos vão à forra com ele. É um bobalhão, agüenta tudo caladinho. Mas não esquece nada.

2 comentários:

Débora Medeiros disse...

Taí, Henrique, lendo esse post depois do anterior, me veio a idéia do que é driblar a clareza insípida no jornalismo: não é opinar, não é adjetivar, não é ser ambíguo. É deixar os fatos falarem por si sós, deixar que o leitor pense naquilo que está ali, sendo mostrado, e mostrar ao máximo, de todas as perspectivas. É uma questão de disposição das coisas no texto, das falas, dos momentos... Como o Van Sant parece fazer no filme.

Henrique Araújo disse...

Pode ser... Não tenho problemas em relação ao ambíguo no texto... Desde que equilibrado. A coisa não pode pender muito pra um dos lados, tem que ficar em cima do fio da navalha, sempre. Entre uma coisa e outra, nunca determinada, apenas insinuada. Essa é mais ou menos uma idéia de construção de texto que eu tenho... Que se aproxima um pouco da literatura.

O problema é que o jornalismo tem esse pacto de sangue com a clareza. Tem que dizer as coisas assim, preto no branco. E, pra mim, isso empobrece. E nesse ponto o filme do Sant é, sim, ambíguo... O cara tá lá, manejando a câmera, mas de forma sutilíssima... Ele brinca com as coisas, seleciona elementos, diz a que veio... Nos oferece até mesmo uma explicação pras coisas, pros acontecimentos.

Vou indo. A gente tem que pelejar muito antes de encontrar qualquer coisa que valha a pena.

Abraços!