segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 4


Ao re-ouvi o disco Pink Moon (foto) de Nick Drake nessa manhã de carnaval, pude satisfazer-me um pouco com a minha própria melancolia. Na verdade, coube-me compartilhar meu desconforto com o do bardo britânico, amenizando-o. A voz sussurrada, as melodias intensas e os arranjos acústicos produzidos por Drake atestam a qualidade de artista de grande inteligência e criatividade e são elementos convidativos à contemplação do espírito.

Gravado de modo espontâneo e lançado em 1972, o disco é curto (são 11 faixas distribuídas em pouco mais de 25 minutos; média de dois minutos e meio por canção) e direto (sem grandes dispêndios, Drake utilizou-se apenas da voz e violão,) o que contrasta com os dois álbuns anteriores (Five Leaves Left e Byter Layter, respectivamente de 1969 e 1970) nas quais o compositor empregou uma banda para a gravação de suas músicas em estúdio. O contraste de postura de Drake não poderia ter tido resultado mais genial, embora o disco só fosse ser reconhecido após a morte do cantor. Um talento singular que percorreu uma trajetória, enquanto vivo, despercebida entre seus contemporâneos, Drake seria resgatado e elevado a ícone cult nos anos 90 por artistas como Belle and Sebastian e Elliot Smith.

Pink Moon é, de longe, o mais melancólico dos registros do compositor. Sem banda de apoio ou mesmo outro instrumentista para distrair-lhe a atenção, o compositor se quis sozinho no estúdio e assim o fez: ouve-se apenas a voz baixa do músico e o dedilhado altamente refinado de suas melodias ao violão. Faixa após faixa, Drake destila despretensiosamente no miserável ouvinte uma carga fulminante da mais elegante melancolia possível. Para isso, o compositor constrói um ambiente próprio para o desenvolvimento soturno de suas amarguras, levando-nos a embarcar em um mar de desespero.

As baladas lúgubres ao estilo folk sugerem ao ouvinte que não se levante da cama naquele dia. Quando apreciado em manhã de diversões, folias e folguedos populares, então, o disco se torna praticamente proibido. Mas não o é para este solitário carnavalesco que vos escreve, mensageiro de notas melancólicas, refém da solidão. Da metade para o fim do álbum, o ouvinte, por mais que lá fora faça um belo dia de sol, sente-se desolado. Canções como Which Will, Things Behind the Sun, Parasite, além da faixa que dá título ao disco, Pink Moon, obrigam-nos a caminhar por um vale de desesperança e angústia, ainda que esse andar seja repleto de belas melodias.

Tanta tristeza condensada logo teria seu desfecho trágico. Depois de gravar Pink Moon, a depressão que castigava Drake há alguns anos acentuou-se de maneira desenfreada. Em abril de 1972, o músico sofre um colapso nervoso que o deixaria internado em uma clínica psiquiátrica por várias semanas. Ao fim da internação, Drake, já tímido e introspectivo desde a infância, acentua os sinais de apatia e nunca mais tornaria a gravar coisa alguma. Em conversa com os poucos confidentes, dizia-se vazio, incapaz de sorrir ou chorar, impossibilitado de sentir qualquer sentimento ou expressar qualquer disposição afetiva para produzir música. Meses antes do fim, confidenciou a um amigo que não poderia mais lutar contra si mesmo, que desistira de tentar salvar-se e que nada o poderia proteger agora.

Nos últimos dias de vida, Drake evadiu-se do mundo. Trancafiou-se num quarto de hotel com enormes quantidades de LSD e maconha; drogas de preferência do compositor e das quais ele tomara conhecimento ainda na época em que era estudante de Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge. Escondendo-se dos amigos e dos parentes, evitando aparecer em público e de realizar apresentações ao vivo, Drake entraria na fase terminal da melancolia, de onde só sairia morto.

No dia 26 de novembro de 1974, Nick Drake suicidou-se na casa dos pais, onde teria regressado para uma última tentativa de escapar de si mesmo, com uma overdose de medicamentos antidepressivos. A mãe subira até o quarto de Drake a fim de acordá-lo para o café da manhã e o encontrara morto, atravessado na cama. No prato do som da vitrola do quarto, um disco com um dos concertos de Bach. Drake contava, então, apenas 26 anos de idade. Assim como os jovens poetas românticos do século dezenove que morriam precocemente antes do tempo, o músico sucumbiu à sua própria desesperança e cumpriu seu destino, nos legando obras de valor inestimável para os amantes da música refinada; o disco Pink Moon seria a despedida de Nick. Um maravilhoso adeus.

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Obs.: Cogito a possibilidade de dar um tempo nas “Notas melancólicas”, pois não agüento mais deparar-me, todos os dias, com e-mails que, supostamente, deveriam chamar-me à vida. De “saia dessa, rapaz” a “não seja covarde para com a vida”, minha paciência dissipa-se em uma enchente de apoios imbecis à “magia da vida”. De acordo com as mensagens que me chegam aos borbotões, o sujeito racional é aquele que ama as “coisas da vida”, embora não seja especificado que coisas são essas, o que me leva a pensar que tais coisas podem ser, enfim, qualquer coisa; de uma unha encravada até um romance de Kafka. Para piorar, tais pessoas julgam que, ó Senhor, o suicídio é um ato covarde, como se a vida de todos esses que me escrevem não fossem elas, de cabo a rabo, uma coletânea de covardias. “Viver é um ato de bravura”, é o que me dizem, mas esquecem-se de dizer o seguinte, que lhes direi agora: levar a vida não se configura em ato de bravura coisa nenhuma. A maioria de nós não dispõe de qualquer inclinação de espírito para as "coisas da vida". Condenamos o suicídio e, como se não nos bastássemos, julgamos viver uma vida plena de bravura. Ora, meus senhores, somos todos um bando de covardes, suicidas ou não. Queremos é uma vida tranqüila para que, uma vez por ano, possamos doar 15 reais para o Criança Esperança e, assim, tocarmos a nossa vida em frente, um pouco mais medíocres. Aos que me escrevem condenado o suicídio ou incentivando-me à vida, digo-lhes: senhores, por Deus, poupem este escriba de tanta chatice. Se procuro evadir-se de mim ou mesmo do mundo, o faço relativamente consciente de suas supostas conseqüências, que, ao fim, só dizem respeito a mim mesmo.

2 comentários:

Débora Medeiros disse...

Você disse certo: levar a vida não é ato de bravura. Ainda acredito que procurar levá-la a algum lugar, isso sim, é algo que requer coragem, dar um sentido à vida que transcenda as conquistas ou fracassos individuais - tão fáceis de atingir -, que faça da vida algo capaz de mudar o que é exterior a ela, afetando outras vidas, para ou bem ou para o mal.

Nick Drake Brasil disse...

Olá, Rodolfo.

Legal o texto.

Criei o blog Nick Drake Brasil, depois passa lá e deixa um comentário.

nickdrakebr.blogspot.com

Um abraço,