domingo, 17 de fevereiro de 2008

Notas melancólicas - Parte 8


Trecho de um interessante artigo publicado no jornal O Povo de hoje, 17 de fevereiro, de autoria do psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Cleto Brasileiro Pontes.

Já o suicídio vem da língua latina, ou seja, de uma cultura romana onde a guerra prevaleceu sobre a arte, e conseqüentemente a vida foi um fenômeno banalizado. Suicídio vem de homicídio com poucas modificações. O prefixo sui significa uma ação do próprio sujeito e o verbo caedere que inicialmente significava ‘abater’ ou ‘dar pancada’ para, finalmente, vir a se ‘matar’. Portanto, a palavra suicídio carrega uma simbologia em sua origem bem mais cruenta do que a eutanásia”.

O escritor e filósofo argelino Albert Camus (1913 – 1960) disse certa vez que a o suicídio era a única questão filosófica verdadeiramente importante. No período renascentista europeu, a questão do suicídio voltou a ser explanada de forma mais aberta, já não tão influenciada pela moral cristã que dominou a Idade Média. John Donne (1572 – 1631), poeta inglês obcecado pela idéia de morte, sustentava a tese de que o auto-homicídio, ou seja, o suicídio, não é por natureza um pecado, opondo-se frontalmente aos dogmas da Igreja Católica. A Igreja vê, desde São Tomás de Aquino (1225 – 1274) e a Escolástica da qual foi o principal organizador, o suicídio como um crime contra a religião. Foi a partir desta época que se institucionalizou a proibição aos suicidas de serem sepultados em cemitérios cristãos. Conta-nos a história que os suicidas eram enterrados nas encruzilhadas das estradas, pois se tratavam de pessoas que não tinham conseguido superar alguma encruzilhada da existência ou ainda por que a encruzilhada lembrava uma cruz que supostamente deveria redimir o suicida de seu tão grave pecado.

Subitamente, lembro-me de Hemingway, um dos melhores escritores que já li na vida. Nascido em 21 de junho de 1898 no Estado de Illinois, Estados Unidos, Hemingway, desde os primeiros escritos, mostrava uma virulência textual carregada de amargura e desilusão. Escreveu clássicos que, para mim, foram de importância singular como The Sun Also Rises (O Sol Também Se Levanta) e A Moveable Feast (Paris é uma Festa). Até que um dia, saturado do mundo e de si próprio, resolve, solenemente, arrancar a cabeça com um tiro de fuzil, matando-se no raiar do dia 2 de julho de 1961, aos 62 anos de idade. Hemingway seguira o destino do próprio pai, que também praticara o suicídio 33 anos antes, em 1928. Como eu mesmo já disse aqui na primeira parte dessas “Notas melancólicas”, a depressão é uma doença biológica e freqüentemente relacionada a fatores genéticos. Talvez tenhamos aí um exemplo claro.

- Ora, duvido que Hemingway estivesse ligando para isso tudo de Escolástica ou fatores genéticos, rumino, enquanto imagino, com os meus botões, o que ele degustava solitariamente nos cafés de Paris, onde sempre era visto altas horas da noite, a bebericar e murmurar sozinho sua melancolia herdada.

Um comentário:

VINICIUS.MOTA disse...

O Hemingway foi um cara que viveu tudo com uma intensidade voraz; até mesmo a sua saturação e amargura. Mas guardo dele uma imagem oposta, mostrada em um filme, do qual não me lembro o nome, em que ele, participando da primeira guerra mundial, como jornalista, apaixonava-se por uma enfermeira bem mais velha. No filme, sugeria-se que o começo do processo de desesperança, que culminou com o suicídio dele, tinha começado ali: o sofrimento de um amor jovem não correspondido revelando à sensibilidade do escritor como o mundo diz NÃO.