terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Das moscas, o Acidum.

Há uma mancha preta lá no topo da parede, bem na quina da fachada do Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar. Rapidamente você pensa que é sujeira. Ao andar um pouco mais, aproximando-se, vê que aquela mancha preta é composta por coisas miúdas. Aproxima-se mais e se tem noção de toda a fachada do museu, noção de que aquele amontoado de linhas pretas é, na verdade, um enxame de moscas, e que dessas moscas pequenas saltam, voando, outras moscas, maiores, e mais outras, e outras, com toda sua repugnância e aquele olhar vazio multifacetado, encarando quem se aproxima, dando a noção maior de que para encontrar a exposição do grupo Acidum basta seguir as moscas.

“Entregue às moscas” teve seu coquetel de abertura no dia 15 de fevereiro. Disseram que os membros do coletivo (conhecido pela autoria do painel no muro do Centro de Humanidades da UFC, na Av. 13 de Maio) procuraram recriar a atmosfera do Centro de Fortaleza, alvo da referência ao título da exposição, com churrasquinho, pipoca, castanhas, amendoins, algodão doce e suco de cajá em garrafa de plástico de dois litros. Tudo de graça, ou melhor, pago pelo dinheiro que custeou o projeto no Edital de Artes da FUNCET. Acho que não foi por aí. O que recriou mesmo o ambiente do Centro foi a massa de pessoas no lado de fora do M.A.C. competindo pra pegar um churrasquinho ou apanhar algumas castanhas carameladas - “vixe, é de graça!?” – gerando lotação e chão sujo, mesmo com toda aquela premissa de que freqüentador de museu é fino e educado.

As moscas seguem pela parede, entrando no museu, como jorros de lama nas paredes branco-asséptico. Dobrando à esquerda, na primeira sala, mais outra mosca, lá no final da sala, iluminada por um spot amarelado.
É. Moscas incomodam, e aquelas são pra incomodar.
Não foi por nada que o grupo Acidum escolheu como símbolo.
São cerca de sete ambientes – contando com a salinha da mosca. As paredes são as telas para os grafites, ilustrações, mesclas de diferentes formas de linguagem visual, suportes das diferentes representações do urbano fortalezense. As personagens do asfalto, loucura, religiosidade, pedaços das ruas: tudo está lá, abordado em uma estética não-usual, um retrato claro das tantas possibilidades que existem por aí: estêncil, stickers, grafite, projeção, xilogravura, pintura, intervenções e fotografia. Acidum inova, desconstrói o cotidiano para montar uma própria identidade com traços berrantes da nossa cidade, convergindo das paredes para corroer o olhar e a cabeça de qualquer um. Não é algo que eu consiga descrever aqui, por escrito, muito menos falando. A magnitude que há ao ver uma parede de mais de três metros pintada com um par de meninos limpadores de pára-brisa é encantadoramente assustadora, por exemplo. Ou o deus encouraçado pendurado por fios amarrados em pregos. Ou o objeto absurdo ilustrado posicionado na sala da loucura... É tudo uma experiência estranha e fantástica. “Entregue às moscas” é digno de se ver, algo que nossa cidade não possuía desde as ações do Grupo Aranha, na década de 80.

E, podem ter certeza, do que se vê em sites especializados no tipo de trabalho deles, não há nada igual ao que está exposto nas salas do M.A.C., ou igual ao que será exposto por esses artistas nas ruas de Fortaleza daqui a algum tempo.

Serviço: Entregue às moscas, a partir de 15 de fevereiro, no Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar. Visitas: de terça a quinta, das 9h às 18h30. De sexta a domingo, das 14h às 20h30. Entrada franca. Outras informações: 85.8733.8824 / 8822

2 comentários:

Samara Mabelli disse...

pena que ainda não pude conferir a exposição. mas já deu pra tirar uma boa idéia do trabalho daqueles moços. assim que possível tenho de dar as caras por lá. colaborar com a "categoria" também. XD

Roberta Felix disse...

É agoniante. Mesmo pra quem convive com os muros da UFC estampados de estêncil e aquele inseto que era na verdade a figura de uma coluna vertebral ali no Mauc. Entrar lá e percorrer as salas, se deixar viajar nas cores e formas daquelas imagens... peturba. Acho que só é assim intenso porque eles conseguiram mesmo captar elementos de Fortaleza, as cenas que a gente vê nas nossas ruas estão transfiguradas ali. Incrível. E não deixa de ser uma marca importante na produção artística de Fortaleza - quem sabe o que vem por aí, depois deles?