sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

O eterno galã


Há cerca de três semanas a revista Veja publicou uma coluna do Roberto Pompeu Toledo intitulada “Trajetória de um sessenta-e-oitão” na seção “Ensaio”, destinada ao citado jornalista. Eu a li no lugar em que me acostumei a ler a revista Veja, ou seja, em sala de espera de consultório médico. O fato é que, mesmo não acompanhando regularmente a revista nem muito menos as colunas de Toledo, achei o escrito de assaz pertinência e de uma lucidez maravilhosa, tanto que as palavras do colunista não mais me saíram da mente por dois ou três dias.

O texto fala de uma figura emblemática, o famigerado José Dirceu. Na verdade, trata-se mais de uma narração do longo caminho trilhado por Dirceu, das lutas de 68 ao envolvimento com o Mensalão, até o estágio atual na qual Dirceu luta contra o Inexorável: a velhice. Na linha de frente do combate, uma operação de implante de cabelos. Se em 68 o cabeludo e elegante Dirceu lutava contra os carecas conservadores instaurados no regime militar, hoje, vejam que prosaico, o não menos elegante Dirceu luta para não se transformar em um calvo homem de negócios. Ele quer ser, agora, apenas um homem de negócios. Com cabelos.

E mais. Agora como consultor (leitores do mundo globalizado, por favor, explicai a esse pobre rapaz de cor o que diabos vêm a ser propriamente um “consultor”), Dirceu está “in”, almoçando com homens ricos e fazendo negócios com milionários do ramo da indústria e mídia corporativa. E mais ainda. Dirceu, penso que nem em meus sonhos mais psicodélicos e sessentistas eu poderia imaginar tal heresia, é, no presente, leitor de um dos maiores defensores do Capitalismo mundial, o ex-presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos (e, por extensão, o banco central do mundo), Alan Greenspan. Realmente, entramos em uma era de turbulência.

Toledo resume bem a peregrinação do ex-homem forte do Governo Lula. “Eis o sessenta-e-oitão (referência criada pelos franceses para designar as pessoas que viveram com intensidade o ano de 1968), confrontado com a esperança e a realidade destes últimos quarenta anos, a revolução em que um dia pôs tanta fé e a queda do Muro de Berlim, o sol da liberdade que despontou com o fim da ditadura e a mesquinha política do é-dando-que-se-recebe da etapa seguinte, a conquista do poder e o subseqüente encontro marcado com a corrupção, o auge do prestígio e seu esboroamento nos xingamentos de ‘safado’(aqui, Toledo faz uma referência aos insultos dirigidos a Dirceu quando este põe o pé em qualquer rua brasileira) ”.

Obviamente, Dirceu não foi o único sessenta-e-oitão a experimentar o céu e o inferno, mas, sem dúvida, o homem se trata de um dos mais significativos símbolos da derrota dos ideais esquerdistas. O idealismo do jovem Dirceu parece ter sido substituído pelo pragmatismo do homem calculista de terceira idade que passa apressado pelos pátios dos mais diversos aeroportos mundo afora. Sabe como é, essas viagens de negócios são cansativas, há o problema com o fuso horário, a comida que, por vezes, não desce bem, enfim, situações cotidianas do business men.

O “Alain Delon dos pobres”, agora, virou palpiteiro dos ricos, mas o que importa é que o charme, ah meus camaradas, este continua impecável. Com uns milhares de fiozinhos de cabelos a mais, então, Dirceu praticamente retorna às origens galãs. Aos 62 anos de idade, o mensaleiro ganha fortunas dando dicas de aplicação do dinheiro alheio. De repente, a porta do consultório escancara-se e de lá sai uma bonita médica a perguntar angelicamente para a sala. “O senhor Rodolfo Oliveira?” Levantei-me desconfiado de que pudesse estar um pouco mais calvo naquele dia...

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