A saudade talvez seja o mais melancólico dos sentimentos. O que é a saudade senão um desejo melancólico que nos faz sofrer com o que não se pode esquecer? O termo saudade vem, provavelmente, do latim solitatem, solidão. Do latim, o vocábulo modificou-se sucessivas vezes com o passar dos séculos. De soedade para soidade, daí para suidade, até a forma como o conhecemos hoje, saudade. Suave fumo do fogo do amor, mimosa paixão da alma, mal de que se gosta e um bem que se padece, diversas são as definições para a palavra saudade; não poucos poetas e compositores tentaram explicar, ao longo da história, o sentimento que, até onde se sabe, é universal, vez que pode ser identificado em todas as culturas e em todas as épocas históricas que tiveram o Homem como protagonista. Há referências ao termo na Bíblia, na cultura das tribos africanas e nas tradições dos indígenas brasileiros pré-Portugal.
Uma das mais simples (e paradoxalmente complexas) definições para o sentimento é atribuída ao poeta português Teixeira de Pascoaes (1877-1952). Para ele, saudade nada mais é do que o “desejo da coisa ou criatura amada, tornado dolorido pela ausência”. Sem dúvidas, parece que sentimos saudade daquilo de que gostamos e gostamos de ter saudades, sentimos prazer nisso. A saudade trás em si vários elementos da melancolia, como a inação e a contemplação e, não raro, a depressão.
Todavia, a mais bela definição para o termo, a referência cristalizada quando se pensa na palavra saudade, vêm mesmo de Camões (1524-1580). Para o poeta,
Não é logo a saudade,
Das terras onde nasceu
A carne, mas é do Céu
Daquela santa cidade
De onde esta alma descendeu
Quase tão bonita quanto a visão de Camões a acerca da saudade, é a do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan (1941). Em 1974 o casamento de quase dez anos com sua então esposa, Sara Dylan, andava em crise e Sara resolve se divorciar do compositor. O processo de separação seria extremamente desgastante e, no decorrer do divórcio, Dylan foi tragado por uma tristeza patológica. Ainda em 1974, em apenas uma noite de insônia, munido de pena e violão, compôs para a esposa uma canção de amor autobiográfica relatando os anos de matrimônio, os cinco filhos pequenos do casal e, ainda, as férias passadas junto a Sara em Portugal. Na letra do poema, Dylan também pedia perdão por suas transgressões e, no último verso, ele, literalmente, chora para a mulher não ir embora. De nada adiantaria. Um ano depois, o processo de separação seria definitivamente concluído e Dylan cairia no alcoolismo. Sem mais delongas, senhores, deixar-vos-ei com a letra da canção, um dos mais belos hinos de saudade de toda a história da música popular.
Sara
I laid on a dune, I looked at the sky,
When the children were babies and played on the beach.
You came up behind me, I saw you go by,
You were always so close and still within reach.
Sara, Sara,
Whatever made you want to change your mind?
Sara, Sara,
So easy to look at, so hard to define.
I can still see them playin' with their pails in the sand,
They run to the water their buckets to fill.
I can still see the shells fallin' out of their hands
As they follow each other back up the hill.
Sara, Sara,
Sweet virgin angel, sweet love of my life,
Sara, Sara,
Radiant jewel, mystical wife.
Sleepin' in the woods by a fire in the night,
Drinkin' white rum in a Portugal bar,
Them playin' leapfrog and hearin' about Snow White,
You in the marketplace in Savanna-la-Mar.
Sara, Sara,
It's all so clear, I could never forget,
Sara, Sara,
Lovin' you is the one thing I'll never regret.
I can still hear the sounds of those Methodist bells,
I'd taken the cure and had just gotten through,
Stayin' up for days in the Chelsea Hotel,
Writin' "Sad-Eyed Lady of the Lowlands" for you.
Sara, Sara,
Wherever we travel we're never apart.
Sara, oh Sara,
Beautiful lady, so dear to my heart.
How did I meet you? I don't know.
A messenger sent me in a tropical storm.
You were there in the winter, moonlight on the snow
And on Lily Pond Lane when the weather was warm.
Sara, oh Sara,
Scorpio Sphinx in a calico dress,
Sara, Sara,
You must forgive me my unworthiness.
Now the beach is deserted except for some kelp
And a piece of an old ship that lies on the shore.
You always responded when I needed your help,
You gimme a map and a key to your door.
Sara, oh Sara,
Glamorous nymph with an arrow and bow,
Sara, oh Sara,
Don't ever leave me, don't ever go.