sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Música pra que ouvidos?

Há algum tempo, uma entrevista que fiz com o cantor David Duarte pro nosso querido Jornal Jabá suscitou um debate interessante entre mim e o camarada Henrique. Os textos em cujas janelas de comentários ocorreu nossa conversa são este e este. Do caráter supostamente pedante ou não das afirmações do entrevistado, acabamos navegando para assuntos muito mais amplos e relevantes. Pra ficar mais organizadinho, me propus escrever um texto aqui como continuação do assunto.

Comecemos pelo mais subjetivo: o que é boa música? De onde vêm as auras de vulgaridade ou de transcendência que alguns estilos assumem? Por que fazer MPB, mesmo que com letras pueris (os fãs de Vanessa da Mata que me desculpem, mas quer título de música mais tosco que "Ai, ai, ai"?), dá credibilidade e tocar forró elétrico transforma qualquer pessoa em um desmiolado querendo lucrar com as massas?

O que leva alguém a gostar de um tipo de música e abominar outro? Discordo que existam gêneros "com apelo popular", músicas que falam mais diretamente a uma classe social que a outra. Já encontrei muito motorista de ônibus ouvindo Djavan, enquanto mauricinhos cruzam todos os dias a avenida onde moro irradiando Aviões do Forró de suas Hillux. Acho que gosto musical é, isso sim, uma questão de convivência, de acesso. R$ 10 compram um rádinho de pilha, com um espectro de emissoras que contemplam estilos variados. O indivíduo escolhe o que vai sintonizar, mas essa escolha tem um monte de fatores agregados: o que as pessoas na casa dele escutam, o que tá sendo mais alardeado na emissora de TV favorita dele, que mp3 a namorada transferiu pra ele no MSN, o que ele considera um bom divertimento na sexta à noite.

Quase todo fim de semana, ouço falar de um show de rock/reaggae/MPB de gente daqui. Isso graças ao meu trabalho, porque a divulgação dessas apresentações é quase só baseada no boca-a-boca, nada que se aproxime dos cartazes que cobrem a cidade de domingo a domingo, anunciando as atrações das casas de forró de maneira quase que viral.

"Sim," disse meu companheiro de blog, "o espaço de divulgação é mísero, não temos como chegar às massas etc. Estamos todos carecas de saber disso. As coisas são assim há um bom tempo, é a lógica da indústria priorizar um setor que vai sempre render mais. A indústria cultural também funciona assim. O que fazer é que são elas... Agora, não vou colocar a culpa na indústria, porque, nesse modelo que a gente tá vivendo, a coisa só funciona desse jeito. "

Pra mim, o fato de as coisas serem assim não significa que devam ser ou que vão ser pra sempre. O que faz um setor render mais que outro é o próprio investimento da indústria. Se não existissem os empresários investindo em bandas de forró, acho improvável que fizessem tanto sucesso. A questão é: quem financia os outros estilos que nem sempre têm ou querem ter valor comercial? A política de editais taí como um bom (e raro) exemplo de financiamento por mérito. É como disse uma funcionária da Secult, numa matéria fizemos pra cadeira de Impresso I: os editais são como um concurso público pra artistas. O ideal é que houvesse outras maneiras que atingissem mais gente e independessem do Estado.

Henrique disse também: "Em tempo: não sei se o lance é tentar cavar espaço nas rádios comerciais, tentar pluralizar essa grade totalmente dominada pela música do Mal. Seguindo essa linha, seria o mesmo que acreditar que posso mudar o jornalismo na redação de um grande jornal."

E por que você não pode? :) Claro que os meios alternativos têm sua importância, mas por que seria tão impossível pluralizar os meios de comunicação de massa? Não digo que deveria haver uma lei que obrigasse as rádios a tocar isso ou aquilo no lugar do que elas tocam hoje - seria, no mínimo, cabuloso (vocês sabiam que acontece na Venezuela? As rádios de lá são obrigadas a dedicar um espaço na grade para a música "típica" dos povos indígenas, li na National Geographic). Mas as emissoras de rádio e TV funcionam a base de concessões públicas. No lugar de nos conformarmos com o fato de as concessões serem moedas de troca pra político, por que não exigir um plano que priorizasse as propostas mais plurais na hora de permitir a criação de uma nova emissora? As próprias rádios comunitárias, muitas vezes, apresentam uma linha editorial bem diferente disso que tá aí. Aqui mesmo em Fortaleza tem uma, de cujo nome não me lembro agora (algo a ver com Cultura FM...), que dedica espaço pra praticamente todo tipo de música na programação.

Quem diria que uma discussão sobre o mérito de um artista iria desembocar em democratização dos meios de comunicação, hem? Vamos ver onde isso vai parar - se parar, o que espero que não aconteça!

Um comentário:

Henrique Araújo disse...

não sei escrever pouco. publico um texto como resposta.