quinta-feira, 30 de outubro de 2008

The Freewheelin' Bob Dylan - parte 1

Há, no entanto, um disco que escuto há pelo menos uma década sem enjoá-lo e espero que muitas outras décadas venham até que eu possa cansar de apreciá-lo. De incomensurável importância para a música popular do século 20, o álbum The Freewheelin' Bob Dylan, estabeleceu os parâmetros de quem seria Bob Dylan para o mundo: um incomparável compositor de habilidade musical extremamente aguçada, além de um músico dotado de uma imaginação única.

Lançado em 27 de março de 1963, o disco, no período de seu surgimento, aproveitou-se da popularidade que o folk (principalmente o de viés político) gozava na época entre os círculos boêmios e estudantes universitários. Entretanto, o que deveria ser apenas mais um disco de música tradicional e politizada, extrapolou as fronteiras do folk contemporâneo e tornou-se uma das principais peças responsáveis pela renovação do gênero, uma vez que trouxe para o folk elementos estilísticos dos quais comentarei outra hora. É certo que os anos 1960 são povoados por bons músicos e compositores, mas esse disco nos mostra de forma bastante explícita que nenhum deles estava à altura de Bob Dylan, que contava então com apenas 21 anos de idade à época do lançamento, um nome desconhecido (ainda) e perdido entre uma dezena de outros. The Freewheelin' Bob Dylan foi o segundo disco lançado por Bob, mas o primeiro contendo majoritariamente composições próprias.

O disco transcendeu de tal forma o meio em que estava inserido que os dois únicos covers gravados por Dylan nesse álbum (as canções Corrina, Corrina e Honey Just Allow Me One More Chance) chegam a rivalizar com as versões originais (ou com as gravações mais tradicionais, por assim dizer). As canções de protesto, contudo, dominam o álbum e, merecidamente, receberam mais atenção do público e da crítica, como as maravilhosas Bowin' in the Wind, Masters of War, e A Hard Rain's A-Gonna Fall. Um dos ingredientes responsáveis pelo sucesso de tais canções são que elas não somente eram boas composições de “crítica social”, mas também por serem elegantemente executadas e por possuírem melodias harmoniosas. Todas essas canções resistiram, e muito bem, ao rigoroso teste dos anos, já que os atravessou com espírito cada vez mais jovial. Mesmo depois de décadas, essas composições se mostram vigorosas e introspectivas.

Um exemplo disso é a deslumbrante canção de amor Girl From the North Country que Dylan compôs aos 20 anos de idade, mas que, até hoje, nos revela uma maturidade que muitos morrem sem jamais alcançar. Como ele conseguiu ter tal visão e realizar tal abordagem do amor aos 20 anos de idade é algo que ultrapassa a compreensão deste que vos escreve, e essa é, sem dúvidas, uma das melhores canções de amor que um homem já produziu; um clássico em estado absoluto.

Outra prova de talento extraordinário, como músico e compositor, é a ressentida Don't Think Twice, It's All Right, uma ótima opção para quiser sair por cima em um relacionamento. A melodia, perfeitamente bem composta e tocada, cospe o desprezo. I ain't sayin' you treated me unkind/You could have done better but I don't mind/You just kinda wasted my precious time/But don't think twice, it's all right. A ironia presente nesses versos é destruidora.

São 13 canções – distribuídas em 50 minutos e oito segundos – ricas, musicalmente criativas e originais e que souberam captar com maestria o espírito musical da América. Dylan ainda não fazia a barba quando lançou um álbum que, sob muitas perspectivas, seria o seu norte por toda a carreira. Há de se comentar ainda o papel do produtor John Hammond para a concretização do álbum, o homem que decidiu acreditar naquele jovem tosco e sujo, rejeitado por todas as gravadoras da época. Elas mal sabem o que perderam.

Prometo, algum dia, continuar essa resenha e escrever-lhes um pouco mais do processo de criação, produção e gravação do disco, bem como explicar um pouco mais a importância de John Hammond para a música popular e, claro, comentar sobre essa bonita moça, Suze Rotolo, hoje uma simpática senhora de 65 anos de idade, que divide a capa do disco com Bob.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Salvaram a cultura brasileira


Antiamericanismo está em alta na Câmara Municipal de Fortaleza, cidade onde moro. Parece-me que um vereador desocupado (desculpai a redundância), Guilherme Sampaio (PT), instituiu o dia 31 de outubro como o dia do Saci Pererê. Isso mesmo, meus senhores: o negrinho perneta e serelepe, sempre de cachimbo na boca e gorrinho vermelho, tem agora um dia só para si. Comovente.

De acordo com o parlamentar, o dia do Saci vem como uma medida para frear a influência nefasta do Halloween estadunidense em nossa cultura; uma ação política consciente promovida pelo poder público contra a ideologia consumista norte-americana. A festa norte-americana despertou o sentimento nacionalista de nossos parlamentares progressistas, fazendo-os reunir forças em uma frente de trabalho para substituir o “doces ou travessias” pelo menino perneta, um símbolo muito mais apropriado à nossa sociedade, devo supor. Todos temos que proteger o Saci das perigosas e capitalistas investidas do Império do Mal (vulgo, Estados Unidos da América), caso contrário, o simpático menino, oh, céus!, corre o risco de ser engolido pelo sedutor poder da ideologia consumista. Não sei como os brasileiros podem dormir tranqüilos à noite sabendo que o Saci está ameaçado de extinção.

Não obstante, o vereador Guilherme Sampaio acaba de salvar o Saci, destinando-o um dia em nosso calendário, e, como se não bastasse, colocou-o no mês de outubro, o mesmo do Halloween, ou seja, o parlamentar do PT, ao escolher tal data para o dia do Saci, dividiu a sociedade brasileira em sacisitas e halowennsitas , esses sendo reconhecidos como porcos capitalistas e aqueles como os cidadãos preocupados com os elementos multiétnicos apotropistas encerrados na figura antropológica e representativa dos mitos afro-brasileiros que é o Saci.

Já me sinto mais brasileiro.

domingo, 19 de outubro de 2008

O retorno pagão

Lançado em 1° de novembro de 1983, o disco Infidels foi o primeiro trabalho “não-religioso” de Bob Dylan desde o álbum Street Legal, de 1978. Nesse período de cinco anos, Dylan lançou três álbuns regulares – para sermos benevolente – nos quais a temática do cristianismo foi predominante. À exceção de algumas boas canções de disco de 1979, Slow Train Coming, o período “cristão” de Dylan foi um dos momentos mais baixos de sua carreira como cantor e compositor, não obstante o tema cristianismo seja ele, por si só, bastante rico.

Embora de qualidade um tanto quanto inferior ao disco de 1978, Infidels traz canções que esboçam uma reação positiva de Dylan na direção de uma melhor qualidade musical e autoral. Nota-se certa inclinação de suas composições em abordar temas mais próximos ao versados na metade dos anos 1970, quando o compositor alçou fama de grande poeta demonstrando maturidade de produção.

Algumas canções, sem dúvidas, poderiam ser classificadas como uma espécie de “mini-clássicos” como Jokerman, Sweetheart Like You, Neighborhood Bully ou License to Kill. Essas canções conseguiram refletir algum brilho de requinte maior – tanto na composição quanto na melodia – e nos mostram um Dylan novamente desperto para as questões sociais. São canções politizadas de um compositor que, depois de longa hibernação em assuntos políticos, volta à cena com músicas carregadas de crítica social.

Se as canções fossem apenas políticas o álbum talvez fosse ruim, mas não as são. Aqui, Dylan retorna também com dois fortes elementos inexistentes nos três discos anteriores: primeiro, o compositor volta a nos presentear com boas letras, escritos autênticos e carregados de fortes imagens poéticas. Dylan volta a escrever poemas; volta a musicar bons poemas. O segundo elemento que torna Infidels um bom disco são as canções de amor. Sim, depois de anos louvando o cristianismo, Dylan volta a compor elegantes e refinadas canções de amor. E eu, assim como vocês, adoro uma boa canção de amor. Não há coração amargo neste planeta que resista a uma boa balada como a que fecha o disco, Don’t Fall Apart on Me Tonight.

Enfim, concluo escrevendo-lhes que Infidels se trata de uma obra-prima da música popular dos anos 1980. O disco peca, talvez, na irregular distribuição de faixas. Se o primeiro lado começa e termina com canções arrasadoras, de qualidade incontestável, o segundo lado do disco perde o pique e não consegue acompanhá-lo em qualidade e musicalidade, prejudicando o conjunto da obra. Felizmente, essa má distribuição entre faixas boas e ruins não chega a comprometer o álbum como um todo.

Composto de oito canções distribuídas ao longo de 41 minutos e 39 segundos, Infidels concorre com Oh, Mercy, de 1989, como o melhor disco de Bob Dylan da década de 1980. De todo modo, Infidels marca a volta de Bob Dylan como bom compositor e o disco seria importante para que o músico se libertasse, finalmente, do dogmatismo cristão. Infidels serviu, assim, como uma espécie de fase de desintoxicação do período exacerbadamente cristão.

Três anos após o lançamento de Infidels, Dylan concedeu uma entrevista à revista Rolling Stone. Como se trata de um trecho curto e de fácil compreensão mesmo para os menos versados em Língua Inglesa, postá-la-ei aqui sem a tradução. Em caso de dúvida, reclamem que eu a traduzo.

Rolling Stone: You have said that the function of art is to lead you to God. There were three gospel albums: Slow Train Coming, Saved, and Shot of Love, but your last two records [Infidels and Empire Burlesque*] have taken a different slant.

Bob Dylan: Well, it all depends on where you come at it from. I come at things from different sides to get a different perspective on what it is I'm trying to focus on. Maybe all my songs are focusing on the same thing. I don't know; maybe I'm just coming in from all sides.

RS: The difference between the gospel records and the recent stuff seems to be that earlier you were laying down the law.

BD: Every so often you have to have the law laid down so that you know what the law is. Then you can do whatever you please with it. I haven't heard those albums in quite awhile; you're probably right.

*Empire Burlesque foi o disco de estúdio subseqüente a Infidels, tendo sido lançado em 8 de junho de 1985.

...

Essa “resenha” é dedicada ao amigo Bruno Pontes, que tardiamente (haha) descobriu esse excelente disco de Bob Dylan. Aproveitei-o, amigo.

O trovador da verdade


E nesse último domingo escutei mais um tesouro. O novo disco de raridades de Bob Dylan mal havia saído nos Estados Unidos e eu já madrugava na rede em apaixonada tentativa de baixá-lo. Além de nos EUA, o álbum só está disponível mesmo pela internet.

Repleto de versões alternativas de canções gravadas em estúdio, canções nunca lançadas em álbuns anteriores, músicas feitas exclusivamente para trilhas sonoras de filmes e performances gravadas ao vivo, Tell Tale Signs é o oitavo disco da “The Bootleg Séries” e abarca o período desenvolvido por Dylan entre os anos de 1989 e 2006. São nada mais nada menos do que 39 canções divididas em três discos, muito embora o terceiro disco só esteja disponível à venda em formato de vinil, o que me impossibilitou de escutá-lo, infelizmente.

No trecho compreendido entre esses 17 anos, Bob Dylan lançou cinco discos de músicas inéditas gravadas em estúdio (entre os quais Oh, Mercy, de 1989; Time Out of Mind, de 1997; Love and Theft, de 2001; Modern Times, de 2006) , dois discos com gravações de músicas folk e blues tradicionais, alguns discos feitos de apresentações ao vivo e mais outros de coletâneas da carreira. Foram 17 anos de altos e baixos na carreira de um compositor que sempre soube se manter vivo, não obstante as intempéries pessoais da quais narrarei algum dia aqui neste blogue.

Tell Tale Signs é a prova incontestável do capricho com que Dylan nutre sua paixão pela própria carreira, pelas lembranças de sua vida e experiência; esse novo disco é, inegavelmente, a prova final de amor de Bob Dylan a si próprio. Aos 67 anos de idade dos quais 50 deles dedicados à música, ele nos mostra que jamais pretende se render.

Como o que escrevi acima não é uma resenha para jornal ou coisa que o valha, bem como este blogue comporta espaço para a minha preguiça, adiarei a análise do disco para outra ocasião, sem pressa. Deixai-me escutá-lo um tanto mais, deixem-me beber um pouco mais de verdade.

P.s.: Percebam a serenidade do título deste post. É o reflexo de alguém que acompanha a carreira de Bob Dylan desde o ano 2000, quando a maioria de meus coleguinhas de escola ouvia, sei lá, Green Day. Em breve, promoverei uma festa em comemoração aos meus 10 anos de Bob Dylan, haha.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Debate dos bons

O último debate à presidência dos Estados Unidos envolvendo o republicano McCain e o democrata Obama acontecerá logo mais, às 22h (horário de Brasília), em Nova York. Assisti-lo-ei ansioso, já que, 7% atrás nas pesquisas de opinião, McCain promete (e terá) atacar Obama.

Como pano de fundo do debate, a crise em Wall Street e os respectivos planos de cada candidato para salvar a banca da pior quebradeira dos últimos 80 anos.

Promete.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

E sonhos não envelhecem...

Esse último fim de semana, dei-me um privilégio: dispensei a civilização e fui me ter com os discos do Lô Borges e umas cervejas solitárias. Lá para o meio da audição, um soluço subiu-me a garganta: não importa quantas vezes eu escute a turma do Clube da Esquina, sempre me emociono. O Lô, particularmente, eu aprendi a escutar em casa, na vitrola de papai. Eu, menino, sem nem saber o porquê, estranhava o pai, escutando-o, reflexivo, calado, no meio da sala.

Com a idade, dei-me conta que, hoje, eu escuto-o na mesma posição de papai há década e meia: sentando no meio da sala, pernas cruzadas, cerveja na mão, pensamento longe, lágrima deslizando pela face. O Lô é para os que trazem a melancolia na alma; é para os que não conseguem esconder a tristeza das entranhas e nem a querem esconder.

É incrível, mas, 15 anos depois, vejo-me como meu pai, na mesma posição, bebendo a mesma cerveja e o sentimento de quem jamais se esquecerá de olhar para trás ao primeiro passo.

sábado, 11 de outubro de 2008

Notas melancólicas - parte 21


O mundo passa por mim cada vez mais rápido e parece-me que nada, absolutamente nada, merecerá alguma lembrança no futuro longínquo. Os seres deste mundo nos chegam, cheios de som e fúria, e quando nos deixamos seduzir pela promessa de brilho infinito, eles partem tão silenciosos quanto chegaram. A única perspectiva que prevalecerá através do tempo é a do sofrimento. A perspectiva do sofrimento nos aterroriza, pois sabemos, intrinsecamente, que ela é a única probabilidade certa em nossas vidas, mesmos as mais barulhentas e furiosas.

Enquanto produzimos sons e fúrias, nossas carnes tornam-se putrefatas. Daqui a pouco tempo, mortos, nossos sons e fúrias serão homenageados com o abjeto esquecimento enquanto novos seres chegam trazendo-nos mais fúria e sons para serem, novamente, esquecidos logo em seguida.

Glória, opiniões, palavras. Tudo inútil. Tudo desprezível. Nosso desígnio é o mais banal possível; acabamos todos em uma grande cova rasa, a cova do esquecimento.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O sabor da vida


Cheiro de pão fresco pela manhã, convenço-me cada vez mais, é o melhor já criado pelo homem. O pão não somente é o melhor alimento como também é o mais aromático de todos. A manhã, sem dúvida, instiga infinitamente o sabor do pão, atiçando-nos o apetite. Felizes aqueles que podem comê-los em frescos hálitos matinais, pois terão em suas bocas e narinas – já que também se come pelo olfato – o sabor da vida.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Quietude

Durante algum tempo, pensei eu que a felicidade estava no isolamento. Afastar-se das multidões, dos excessos de ruídos, das emoções arrebatadoras era tudo o que eu buscava fervorosamente. Isolar-me num retiro afastado das cidades e das pessoas que a compõe, em um lugarzinho qualquer com muito verde, vento puro e grilos festeiros.

Hoje percebo que, certamente, nenhum refúgio é mais tranqüilo que a própria alma. A quietude interna é-me o lugar mais aprazível do universo; impossível cogitar ordem mais perfeita que o sossego interior.

Daí concluo que eu sou a minha própria renovação.