segunda-feira, 3 de março de 2008

Notas melancólicas - parte 11


O poeta argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) nos legou, entre outras lindezas, o poema abaixo. Um maravilhoso poema condizente à minha melancolia. Eu o li na manhã do último domingo, sentado em um banco no jardim do prédio onde moro, tendo como som ambiente risos de crianças que brincavam no parquinho banhado ao sol. “Oh, céus – imaginei amargurado – ler isso cercado de crianças deve ser como abrir uma garrafa de vinho dentro de uma trincheira ensangüentada de guerra”. Primeiro no original e, em seguida, uma tradução possível.

El suicida

No quedará en la noche una estrella.
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.

*

O suicida

Não ficará na noite uma estrela.
Não ficará a noite.
Morrerei e comigo a suma
Do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
Os continentes e as caras.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei pó a história, pó o pó.
Estou olhando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém.

2 comentários:

Alan Santiago disse...

Borges é um dos raríssimos casos em que um único escritor consegue conjugar o ofício de poeta e prosador brilhantemente.

Ricardo Piglia, no livro Respiração Artificial (1981), descreve a prosa de Borges como a exacerbação e uma ironia à literatura produzida na Argentina no século XIX. Os jogos de linguagem, os espelhos, os duplos, os falsos seriam, em Borges, reflexo dessa literatura beletrista e europeizada que se fazia na época. Segundo ele, a literatura argetina nasceu de uma epígrafe mal citada e é disso que Borges se apropria.

Na minha singela opinião, Borges é, junto com Cortázar, Roberto Arl e o próprio Piglia, o que há de melhor na literatura de nosso continente.

Alan Santiago disse...

*Roberto Arlt