terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Respostazinha desconfortável

(o que se segue foi baseado numa série de acontecimentos presenciados pelos usuários da linha 317 - Cidade Nova / Parangaba... Depois de ter visto, e usado, o ônibus grande, bem grande, de três portas, peguei inspiração suficiente pra transcrever o episódio...)


Resumidamente, a Fortaleza era movida da seguinte maneira: uns milhares de trabalhadorezinhos de rosto comum saiam da periferia toda manhã a caminho do trabalho nos pequenos e ricos bairros dos homens de trabalho, voltando à noite para suas casas na periferia da região. Sempre foi assim, sisteminha feito para não misturar as funções dos dois grupos – simplificados aos bocados – evitando confundir a cabeça de muita gente.

Resumidamente outra vez, o tempo passava, o povo trepava, a população crescia e bairros surgiam. E mais e mais bairros nasciam, junto da criançada, e alguém devia tomar alguma providência para transportar essa mão-de-obra toda para os pequenos e ricos bairros dos homens de trabalho. Pensaram nos ônibus e adotaram – isso não se sabe bem quem foi, não importa.

Oficializaram um novo bairro na Fortaleza há um tempo. E, seguindo a lógica escrota desenvolvida nos últimos parágrafos, arranjaram uns dois ônibus meia-boca pra zanzar pelo novo bairro, possibilitando os trabalhadorezinhos de cara comum saírem dali e chegarem nos ricos bairros dos homens de trabalho.

Até aí, tudo bem.

Agora, é bom saber que os ônibus eram desses que lembram uma barra de sabão automotiva: pequenotes azuis que correm feito o diabo, diferentemente dos grandes ônibus de três portas que circulam pelos outros bairros. Enfiando quarenta e cinco ou mais (e olha que sempre cabe mais, seja transpassado pela porta ou pendurado na janela) trabalhadorezinhos dentro dele nos horários de ida e de volta dos ricos bairros, e injetando óleo conservante, lembram latas azuis de sardinha.

Até aí, tudo bem – para os homens de trabalho, tudo bem.

No entanto, numa bela noite de sexta-feira, os trabalhadorezinhos tiveram uma surpresa quando se arrumavam para a disputa de espaços para pé dentro do coletivo.

Dobrou na esquina um ônibus azul, que corria feito o diabo, mas grande, bem grande, e com três portas.

Muitos não acreditaram.

- Eita que é mentira! – berrou o velhote fedendo à cachaça.

- O ônibus completou dezoito anos e se espichou todim! – disse a garota de quase quinze anos pra sua amiga.

- Finalmente o pessoal do governo escutou nossos pedidos! – bradou o camarada de quarenta e lá vai tanto.

Talvez, pela primeira vez na história daquela linha, fez-se fila para entrar no coletivo. O clima de alegria era intenso e contagiante entre os passageiros confortáveis nos bancos ou desfrutando de espaços vagos no corredor para afastar mais as pernas e deixar o vento correr. A boa sensação se espalhou e logo todos conversavam entre si, comentando a novidade. Aconteceu até de aumentar o número de cumprimentos dos passageiros ao motorista em cada parada solicitada.

Foi uma noite mágica para os trabalhadorezinhos, encantadora mesmo. E assim foi no sábado e no domingo.

Porém, a novidade se desfez na manhã de segunda-feira. O corredor vazio foi substituído pela não-passagem repleta de gente torta e amarrotada pelas ferragens, e os bancos confortáveis levavam pessoas comprimidas de feições não mais alegres.

- Esse encardido voltou a rodar!!

Pra quem perguntasse, o motorista explicava que aquele ônibus grande, de três portas, só tinha sido usado porque os ônibus daquela linha, os pequenos apertados, passaram o final de semana quebrados.

Um comentário:

Débora Medeiros disse...

Enquanto isso, na Aldeota, tem um monte de linhas pro mesmo lugar e paradas a cada quarteirão...

Excelente texto, filho! Teu jeito de ver as coisas é o orgulho da mamãe :p