Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo, a lendária ex-ginasta Nadia Comaneci declarou que não apoiava os protestos contra as Olimpíadas de Beijing, a serem realizadas entre os dias 8 e 24 de agosto. A tocha olímpica vem sendo acolhida por vaias e muita água por onde passa, em manifestações de repúdio à ocupação do Tibet e ao desrespeito pelos direitos humanos por parte do governo chinês, mas a romena não vê relação entre o panorama político e o esporte. "O esporte é uma política em si", teoriza. Logo ela, cujas 9 medalhas conquistadas nas Olimpíadas de Montreal e de Moscou foram usadas como atestado de superioridade pelo regime soviético.
"Os Jogos estão sediados na China. Eles não serão os Jogos da China", argumenta Comaneci. Não é bem assim. Por mais opulenta que seja sua economia, o governo chinês não investiria bilhões de dólares em um evento que não fosse lhe dar uma contrapartida. Sediar uma competição de vulto como as Olimpíadas é, antes de tudo, uma demonstração de força – econômica e, principalmente, geopolítica.
Quando a Alemanha nazista sediou as Olimpíadas, em 1936, Hitler viu uma grande oportunidade de alardear os feitos do seu regime e, para isso, ergueu 8 novas instalações esportivas, ampliou o estádio olímpico para 110 mil lugares e abriu as portas para as emissoras de TV, tudo em prol das maiores Olimpíadas de que o mundo já tivera notícia até então. Hoje, a China está um verdadeiro canteiro de obras. Sem contar o imponente Estádio Nacional, conhecido como “Ninho”, outros 31 estádios e 45 centros de treinamento já foram construídos ou modernizados para as Olimpíadas. Novas leis, como a que regula o fumo em lugares públicos, recentemente aprovada, moldam o país ao gosto dos turistas estrangeiros.
4.066 atletas de 49 países compareceram aos jogos de Berlim. Era o Período Entre-guerras, e a maioria dos governantes europeus hesitava em contrariar os alemães, acreditando que, assim, evitaria outro episódio tão destrutivo quanto a I Guerra Mundial. Dois anos mais tarde, a Tcheco-Eslováquia seria sacrificada em nome de uma tênue situação de paz. Como a História conta, nada disso bastou para os nazistas.
Em tese, a China não representa uma ameaça bélica. O Oriente Médio e a Coréia do Norte são os barris de pólvora da vez, aos olhos das superpotências mundiais. Ela não é tanto uma nação hostil, mas sim uma aliada que ninguém quer perder. A ideologia da qual o regime chinês se declara seguidor adapta-se cada vez mais ao capital. É o melhor dos dois mundos: em questões sócio-ambientais, a China se comporta com a mesma irresponsabilidade que as potências capitalistas de hoje exibiam no século XIX e, munida de uma legislação que só valida aquilo que vem do Partido Comunista, ainda pode calar todas as vozes dissonantes.
A exuberância financeira atrai países em desenvolvimento, como o Brasil, ansiosos por descobrir seu segredo, e coloca até os EUA no cabresto (a China possui U$1 trilhão em papéis da dívida americana). Empresários aprendem mandarim, economistas se deslumbram com o sucesso econômico aparentemente indestrutível, veículos de comunicação publicam longas reportagens especiais sobre o fenômeno chinês. A história e a cultura chinesas, fascinantes, estão aí há milênios, mas também havia milênios que não despertavam tanto interesse no Ocidente. Faltava o componente monetário.
Se a China não tivesse a riqueza que tem hoje, será que tantas nações hesitariam em tornar pública sua discordância política? O boicote a esta edição das Olimpíadas, longe de ser um “absurdo”, como classificou Comaneci, sinalizaria que nem todos os países do mundo são coniventes com uma nação que cresce à custa das vidas de seus cidadãos. Solidariedade não tem preço.
Um comentário:
Ótimo texto, com uma charge muito boa, meus parabéns!
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