sábado, 24 de maio de 2008

Hi, my name's Devil.

O que é o ARMAGEDOM?

Não sei. Ela sabia. Bateu na porta para explicar. Disse que basicamente era quando os anjos desceriam do céu para pôr fim a tanta baldeação. Em resumo foi isso. Ao contrário das outras vezes, não fiquei assustado. Nem aterrorizado, obviamente. Apenas pisquei três ou quatro vezes, assenti com a cabeça, cocei as pernas, impaciente. Bocejei? Não lembro, mas é provável que sim. Não consigo evitar abrir a boca, fechá-la e voltar a abri-la seguidamente quando algo ou alguém está me aporrinhando. Sei que não é muito legal demonstrar enfaticamente que não se está para chateações. Sei disso. Mas não me importo.

Ela estava acompanhada. Usava óculos escuros, camisa e saia comprida. Mas apenas acho que ela usava saia. No fundo, porém, dou minha cara a tabefe se ela não estivesse usando um saião desses bastante comuns entre mulheres que crêem em muitas coisas, mas acima de tudo em uma: mais cedo ou mais tarde, Deus nos matará. Portanto, acho que usava saia porque tava na cara que ela usava saia comprida. Os óculos eu pude ver. Carregava uma bolsa preta a tiracolo e uma bíblia, acho que tinha um livro preto cujas chances de ser uma bíblia eram razoáveis embora não tenha mesmo certeza se de fato se tratava de uma. Não vi as letras douradas nem a lombada vermelha. Na verdade, não se trata da lombada propriamente dita, mas da parte externa das folhas. Ou seja lá que outro nome aquilo venha a ter.

Como estava só de calção, não abri a porta de casa. Fiquei olhando através das persianas. Não considero isso falta de educação. Não pedi para ter uma lição sobre armagedom pouco antes do almoço. Mesmo que não tivesse outra coisa a fazer, teria sido de bom tom não abrir a porta e me limitar a observá-las de dentro de casa. Como fiz. Não me arrependo. Se os anjos estão mesmo vindo a 500 metros por segundo em nossa direção, mais velozes e mais furiosos do que uma matilha de torcedores do Fortaleza, não há mais nada a ser feito. Exceto comer uma última rodada de sushi. Aqui na Jovita Feitosa tem um bem legal. As garçonetes são um pouco piradas, nos tratam como se fôssemos amigos de infância, mas o lugar é interessante.

VOCÊ COSTUMA LER A BÍBLIA? ACREDITA NELA?

O que dizer nessas horas? Não muito, respondi algo que valia para as duas perguntas. Isso me surpreendeu. Poderia ter dito nem um pouco, nunca em toda a minha vida, nem mesmo quando tinha treze anos e me considerava um tanto retardado, apenas quando estou bêbado e compro briga com três ou cinco caras fortes, se meu pai estiver à beira da morte, sim — poderia ter dito qualquer coisa. Mas não. Disse não muito. Ela conferiu a resposta em fração de segundos e, avaliando a situação, retrucou qualquer coisa.

Ela ficou embaraçada, claro que ficou. Dava pra ver. Não podia ver a saia comprida, mas a falta de jeito ficou patente naquele instante.

Posso te dar um texto?

Claro que sim.

Você vai ler?

Leio qualquer porcaria que me cai nas mãos. Pensei, pensei mais um pouco, e disse antes tarde do que nunca. Não queria ser mal-educado.

Tudo bem, é sobre o armagedom. Aqui tem dizendo que Ele previu todas as catástrofes que estão acontecendo hoje.

Todas?

Sim, todas. Inclusive o terremoto da China.

E o de Sobral, Ele não previu? Novamente, apenas pensei. No fundo entendia que os abalos em Sobral não despertassem interesse divino. A China é um país inteiro cheio de gente saindo pelo ladrão. Sobral é apenas a terra de Ciro, Cid e Ivo Gomes.

Aí tem tudo que você precisa saber sobre o tema.

Tudo bem. Vou ler.

Se você quiser contribuir de alguma forma, nós agradecemos.

Não tenho dinheiro. Isso não apenas pensei como disse no ato. Era mentira. O livreto devia custar um, dois reais. Eu tinha algum sobrando na carteira, mas não muito. No dia anterior fora ao cinema e torrara os penúltimos centavos. Agora, só no mês que vem.

Elas foram bater na porta do vizinho. Parado no meu canto, pensando as besteiras de sempre, ouvi quando perguntaram se ele sabia o que era o ARMAGEDOM. Ele disse que sim e, sem esperar resposta, bateu a porta. As meninas seguiram em frente.

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