sexta-feira, 21 de março de 2008

Se me perguntarem, direi: são cachorros


Um manifesto anti-guerra. Eis um bom rótulo para No vale das sombras (In the valley of Elah), de Paul Haggis (Crash - No limite), com Tommy Lee Jones, Susan Sarandon e Charlize Theron. O propósito do filme é mesmo questionar os resultados diretos e indiretos da investida liderada pelos Estados Unidos contra o Iraque, que completou, no último dia 20 de março, seis anos. E com um saldo aterrador: quase 200 mil iraquianos e cerca de 5 mil norte-americanos mortos. Baseado em fatos reais, o enredo, bastante simples, gira em torno do retorno de um batalhão de soldados à América. Logo na primeira semana em solo pátrio, Mike Deerfiel, filho de Hank (Tommy Lee Jones), ex-policial militar, desaparece, ensejando o início de uma via-crúcis que culmina de forma dramática e nos leva a pensar, mais uma vez, acerca do significado da “guerra pela democracia”.

É difícil dizer qualquer coisa sobre o filme sem revelar alguns dos seus segredos. Mas vou tentar. No vale das sombras é um bom filme, tem ótimas cenas, performances magnéticas e um roteiro bem-amarrado. Tommy Lee Jones foi indicado ao Oscar por sua atuação. De fato, o cara é fabuloso. É fantástico vê-lo percorrer os corredores da burocracia militar e policial à procura de informações sobre o filho. É gostoso vê-lo decepcionar-se com os despojos da guerra. Ele é frio e triste. É duro como convém ao reservista. Mas, aos poucos, essa dureza vai... Vai cedendo... Sim, vai se abrindo, lenta e dolorosa. O processo é mesmo custoso. Até inverter os pólos de suas crenças, virar o mundo de ponta-cabeça, não é exatamente um pulo. Mas, como outros tantos americanos que enviaram os seus meninos pra guerra, Hank finalmente chega lá.


O vale é sombrio

O título original — In the valley of Elah — é, pra variar, infinitamente mais informativo do que o genérico No vale das sombras. Ele remete ao campo de batalha onde se enfrentaram o gigante Golias e o pequeno Davi, personagens bíblicos. Pra história, isso faz toda a diferença. Porque Paul Haggis quer dizer exatamente isto: enviar os jovens soldados norte-americanos para o Iraque equivale ao disparate que foi para Davi ter de peitar Golias. É desigual, é injusto. E as conseqüências disso podem ser desastrosas.

No vale das sombras faz uma leitura psicológica do conflito no Iraque, que, à semelhança de outras guerras, produz monstros. Esses monstros voltam pra casa aparentemente imaculados, saudáveis, mas guardam seqüelas das atrocidades cometidas nos campos de batalha. De uma forma ou de outra, o tiro sai pela culatra, e os efeitos da guerra passam a ser sentidos também do lado de cá do conflito. Acho mesmo que esse é ponto central do filme de Haggis, que, por sinal, não chega a ser grande coisa (o mote, não o filme): a guerra transforma homens em monstros capazes de qualquer barbaridade. No caso de No vale das sombras, ficamos assustados mais pela proximidade do que nos é contado do que pela originalidade das imagens ou do tema. Afinal, estamos todos no século XXI e essas cenas, muito comuns em filmes sobre a II Guerra Mundial e o Vietnam, permanecem nos assombrando.

No vale das sombras tem, só agora percebo, uma justificativa. De fato... De fato... Parecemos estar todos mergulhados nas sombras. Não apenas os soldados que voltam da guerra. Acho que os dirigentes políticos e a sociedade que, em parte, aceita as bravatas de um presidente burro e intolerante e os motivos de um conflito desigual e bárbaro.

2 comentários:

Débora Medeiros disse...

Boa resenha, Henrique. Deu vontade de assistir. Mas a guerra do Iraque não completou foi 5 anos, não?

Henrique Araújo disse...

acho que foi isso mesmo... não sei de onde tirei os tais seis anos...

abraços...