Lá vai a réplica ao texto Música pra que ouvidos?, escrito pela colaboradora Débora Medeiros. Vamos em frente.
Começo pela provocação que me toca mais. Não mudaremos as redações de jornais. E não faremos isso pelo mesmo motivo que um caixa do McDonald’s não subverteria a estrutura capitalista sobre a qual se assenta a empresa pra qual trabalha ou um cobrador de ônibus não conseguiria, por meio de sua luta diária, diminuir os preços das passagens ou aumentar o seu ordenado. No caso dos cobradores, sejamos justos: é mais provável que ele obtenha resultados que nós, jornalistas e aspirantes ao posto.
Bom, é nisso que acredito. Sinceramente, não investiria uma migalha das minhas energias na intenção de tentar transformar os jornais diários. Escreveria, sim, e tentaria não “vender a alma”. Entre a decência e o dinheiro, fico com a primeira. Mas não sou bobo de acreditar que essa lógica muda segundo as vontades de cada um de nós. E como não acredito muito que essas vontades possam entrar em perfeita sintonia e perseguir um nobre objetivo, vou cuidar do meu jardim. Mas sempre disposto a tomar Bastilha de assalto, sim. A gente se mete em besteiras mesmo sabendo que não darão em nada.
“Gosto musical é questão de convivência, de acesso.” Eu poderia ter escrito isso, Débora. Não há contradição entre o que eu digo e o que você escreve, ao menos não nesse trecho específico. Isso explica por que não aceito essa história de boa música etc. A tua boa música é mesmo boa? Se é tão boa assim, por que meu vizinho não gosta dela? Porque não teve as mesmas escolhas e, principalmente, acesso a uma série de bens que você, correto? Nem sempre. Se tudo depende de tanta coisa, prefiro não diagnosticar como ruim o forró nem como doente quem se dedica a ouvir esse gênero. No máximo, direi: não tiveram as mesmas opções que eu ou, se tiveram, não deram tanta importância pra elas, o que, no final das contas, não quer dizer muita coisa.
Mas num ponto você tem razão: a música, de fato, não respeita fronteiras entre classes. Assino embaixo. O samba, por exemplo. Ontem era coisa de favelado, das gentes do morro, hoje anima as festinhas da classe média. Virou moda ir no sambinha. Acho essa discussão até mais interessante: de que maneira as classes mais endinheiradas se apropriam das formas simbólicas oriundas do populacho, como essa música – pra seguir no exemplo – passa a ser consumida (por ambas as classes), quais os elementos que importam nesse processo todo, qual o papel dos meios de comunicação etc.
Adianto: não sou contra o sambinha das gentes cheirosas e bem-arrumadas na vida. Não gosto nem desgosto. Quero dizer: mais desgosto que gosto, mas nada tão grave. A gente é livre pra tudo.
sábado, 22 de dezembro de 2007
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2 comentários:
Bom, acho que chegamos a um consenso nos pontos mais tangíveis, se é que se pode chamar assim. Outros, como o da mudança em grandes jornais, me parecem mais convicção que qualquer outra coisa.
Só uma coisa que vale destacar da polêmica inicial que você retomou aqui, lembrando-me de que talvez tenhamos fugido de um aspecto essencial da entrevista: não acho que a crítica seja ao gênero em si, mas à atitude. Quantas vezes você já se queixou do seu vizinho metaleiro/reggaeiro/o que seja ouvir o som alto demais? Quantos carros singram as avenidas e se apossam dos bares tocando outra coisa que não funk, forró, pagode?
Por que o forró quase sempre vem acompanhado de atitudes de auto-afirmação como essas e tantas outras (consumir bebidas alcoólicas muitas vezes assume esse status, por exemplo)? Será que é algo na música ou das pessoas que o apreciam? O David parece achar que é o forró que desperta esse lado no público. De minha parte, não sei responder no momento, mas acho uma boa questão.
Ou melhor, vou tentar. Lembrei-me agora de uma conversa que tive uma vez com um amigo. Estávamos falando dos emos e nos perguntando: o que faz de um emo um emo? A música não traz todos os elementos que integram o estereótipo: nunca ouvi uma ode às franjinhas de lado ou às ego-shots. Me parece que as pessoas se agrupam em torno do emocore pra partilhar hábitos e modos de vida que as unem, além do gosto musical. O emocore é meio que o pretexto pro cara se vestir de preto, passar lápis no olho, pentear o cabelo de um certo jeito, fazer determinados gestos, utilizar certas gírias. Provavelmente, ele faria isso sem a música, mas de forma menos sistematizada, se sentindo menos parte de alguma coisa.
Com o forró, parece ocorrer algo parecido: o cara encontra um pretexto musical pra aparelhar o carro com uma parede de som gigante, tomar todas, se vestir de determinada maneira, usar certas gírias...
Minha teoria, digamos assim, é: gosto musical também é identificação. Integra e interage com a personalidade de cada um - para o bem ou para o mal :p
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