domingo, 19 de outubro de 2008

O retorno pagão

Lançado em 1° de novembro de 1983, o disco Infidels foi o primeiro trabalho “não-religioso” de Bob Dylan desde o álbum Street Legal, de 1978. Nesse período de cinco anos, Dylan lançou três álbuns regulares – para sermos benevolente – nos quais a temática do cristianismo foi predominante. À exceção de algumas boas canções de disco de 1979, Slow Train Coming, o período “cristão” de Dylan foi um dos momentos mais baixos de sua carreira como cantor e compositor, não obstante o tema cristianismo seja ele, por si só, bastante rico.

Embora de qualidade um tanto quanto inferior ao disco de 1978, Infidels traz canções que esboçam uma reação positiva de Dylan na direção de uma melhor qualidade musical e autoral. Nota-se certa inclinação de suas composições em abordar temas mais próximos ao versados na metade dos anos 1970, quando o compositor alçou fama de grande poeta demonstrando maturidade de produção.

Algumas canções, sem dúvidas, poderiam ser classificadas como uma espécie de “mini-clássicos” como Jokerman, Sweetheart Like You, Neighborhood Bully ou License to Kill. Essas canções conseguiram refletir algum brilho de requinte maior – tanto na composição quanto na melodia – e nos mostram um Dylan novamente desperto para as questões sociais. São canções politizadas de um compositor que, depois de longa hibernação em assuntos políticos, volta à cena com músicas carregadas de crítica social.

Se as canções fossem apenas políticas o álbum talvez fosse ruim, mas não as são. Aqui, Dylan retorna também com dois fortes elementos inexistentes nos três discos anteriores: primeiro, o compositor volta a nos presentear com boas letras, escritos autênticos e carregados de fortes imagens poéticas. Dylan volta a escrever poemas; volta a musicar bons poemas. O segundo elemento que torna Infidels um bom disco são as canções de amor. Sim, depois de anos louvando o cristianismo, Dylan volta a compor elegantes e refinadas canções de amor. E eu, assim como vocês, adoro uma boa canção de amor. Não há coração amargo neste planeta que resista a uma boa balada como a que fecha o disco, Don’t Fall Apart on Me Tonight.

Enfim, concluo escrevendo-lhes que Infidels se trata de uma obra-prima da música popular dos anos 1980. O disco peca, talvez, na irregular distribuição de faixas. Se o primeiro lado começa e termina com canções arrasadoras, de qualidade incontestável, o segundo lado do disco perde o pique e não consegue acompanhá-lo em qualidade e musicalidade, prejudicando o conjunto da obra. Felizmente, essa má distribuição entre faixas boas e ruins não chega a comprometer o álbum como um todo.

Composto de oito canções distribuídas ao longo de 41 minutos e 39 segundos, Infidels concorre com Oh, Mercy, de 1989, como o melhor disco de Bob Dylan da década de 1980. De todo modo, Infidels marca a volta de Bob Dylan como bom compositor e o disco seria importante para que o músico se libertasse, finalmente, do dogmatismo cristão. Infidels serviu, assim, como uma espécie de fase de desintoxicação do período exacerbadamente cristão.

Três anos após o lançamento de Infidels, Dylan concedeu uma entrevista à revista Rolling Stone. Como se trata de um trecho curto e de fácil compreensão mesmo para os menos versados em Língua Inglesa, postá-la-ei aqui sem a tradução. Em caso de dúvida, reclamem que eu a traduzo.

Rolling Stone: You have said that the function of art is to lead you to God. There were three gospel albums: Slow Train Coming, Saved, and Shot of Love, but your last two records [Infidels and Empire Burlesque*] have taken a different slant.

Bob Dylan: Well, it all depends on where you come at it from. I come at things from different sides to get a different perspective on what it is I'm trying to focus on. Maybe all my songs are focusing on the same thing. I don't know; maybe I'm just coming in from all sides.

RS: The difference between the gospel records and the recent stuff seems to be that earlier you were laying down the law.

BD: Every so often you have to have the law laid down so that you know what the law is. Then you can do whatever you please with it. I haven't heard those albums in quite awhile; you're probably right.

*Empire Burlesque foi o disco de estúdio subseqüente a Infidels, tendo sido lançado em 8 de junho de 1985.

...

Essa “resenha” é dedicada ao amigo Bruno Pontes, que tardiamente (haha) descobriu esse excelente disco de Bob Dylan. Aproveitei-o, amigo.

Um comentário:

Bruno Pontes disse...

License to Kill, essa é linda. Valeu, Rodolfo! A próxima resenha é do Blood On The Tracks?